As mais recentes notícias apontam para um projeto de taxação da entrada de veículos elétricos chineses no mercado da União Europeia (UE). Para além dos devidos efeitos para o consumidor, esta medida poderá trazer consequências mais alargadas ao nível económico e tecnológico, para além dos impactos políticos. A competição tecnológica e económica arrisca-se a resultar no desencadear de um processo de proteção de mercados que levará a uma progressão tecnológica mais lenta.

As taxas e os taxados

A Comissão Europeia propõe a aplicação de taxas aos veículos elétricos chineses, com base numa alegada subvenção pública à produção automóvel que contraria os princípios de livre concorrência, postulados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em que os estados da UE e a China participam. Por seu lado, a China responde com uma eventual exposição à OMC, acusando a UE de contrariar os princípios de livre comércio e de proceder à implementação de medidas protecionistas no mercado europeu.

Contudo, por agora, a China avançou com uma investigação ao setor de importação de carne de porco de proveniência europeia e ameaçou taxar os carros de alta cilindrada, tendo na mira marcas como a BMW, Porsche e Mercedes Benz, entre outras.

As taxas aplicadas pela União Europeia poderão ir até aos 38%, estando previstas também taxas a aplicar aos veículos de marca europeia produzidos na China, como BMW ou Renault, na ordem dos 21%. Para as marcas privadas, como a Geely e a BYD, estão previstas taxas entre os 20% e os 17,4%, e para a empresa pública SAIC, 38%. As taxas serão aplicadas a partir de 4 de julho e de forma preliminar, devendo ser afinadas depois de um período experimental de aplicação. Países como a Alemanha e a Suécia não concordam com a medida, enquanto outros, como França e Espanha, mostraram-se favoráveis à mesma.

Contudo, esta medida não se aplica a toda a produção de tecnologia chinesa para o mercado europeu, dado que a BYD já fabrica na Hungria uma pequena parte dos seus automóveis e a Geely adquiriu a antiga fábrica da Nissan em Barcelona, e negoceia uma segunda fábrica em Itália. A SAIC tem nos seus planos a construção de duas fábricas de raiz na Europa. Dado tratar-se de investimentos substanciais e potenciadores de desenvolvimento regional, será difícil contrariar a implantação de fábricas chinesas a produzir dentro do mercado europeu.

Como as taxas de transação comercial são estabelecidas entre produtos de determinados países, as marcas são afetadas indiferentemente de onde são as suas sedes. Significa isto que firmas europeias serão afetadas imediatamente pela medida.

Vozes críticas

No seio do setor automóvel europeu têm-se feito ouvir vozes críticas, entre estas a de Carlos Tavares, diretor executivo da Stellantis, que adquiriu recentemente uma participação de 20% da Leapmotor, uma empresa chinesa de fabrico automóvel, com o objetivo de gerar produção comum de veículos. Portanto, várias empresas sediadas na UE criaram interdependências com empresas chinesas, gerando cadeias de produção integradas e cooperativas. É igualmente relevante o facto de a Agência Internacional de Energia considerar que, para uma transição na mobilidade elétrica efetiva, a Europa não é autossuficiente na produção de carros elétricos, precisando de importar veículos, nomeadamente, da China.

Também o setor do comércio automóvel vê com apreensão esta medida, dado os preços dos carros elétricos terem, finalmente, começado a ser atrativos para a classe média, prevendo por isso uma aceleração da compra destes veículos antes da entrada e ação da medida. Espera-se um aumento dos preços finais ao consumidor e uma transição mais lenta para a mobilidade elétrica.

Entre competição e proteção de mercados

Neste jogo de competição tecnológica, mas também de proteção das fragilidades dos mercados, sobressai uma consequência imediata, a ameaça à globalização e o corte brusco de interdependências estabelecidas que, para além de um preço económico, têm um impacto político.

Olhando para as medidas que a China prevê aplicar, existe uma vontade de manter a interligação de mercados para interdependência de cadeias e de produtos finais tecnológicos, ancorando agora a sua produção no consumo de uma classe média sofisticada que encontra na Europa, mas também noutras regiões, como a América Latina. Surpreende o facto de à UE ter escapado as previsões que vêm sendo publicadas, desde 2015, que apontavam para um salto em frente para as economias em desenvolvimento asiáticas.