Quando no início dos anos 80 do século passado (é preciso dizer?) entrei pela primeira vez no escritório do meu patrono de advocacia, o muito saudoso Dr. Artur Cunha Leal, o primeiro conselho que recebi foi: “antes de tudo, leia ‘Alma da Toga’”. Li. Trata-se um clássico da advocacia, escrito há 100 anos pelo espanhol Osório y Gallardo. Aí se prepara o Advogado, entre meia dúzia de conselhos práticos, para o espectáculo. O espectáculo? Sim a justiça é um permanente teatro. O seu palco é o tribunal. Era-o no tempo de Gallardo.

Hoje em dia, o palco continua a ser o tribunal, a que acresce a comunicação social. Os dotes de persuasão e retórica eram e continuam a ser o alfa e o ómega da actividade do Advogado. Os delegados do Ministério Público e os juízes (menos) são também intervenientes nesta representação. É claro que a representação visa um fim nobre: alcançar a Justiça que é uma das finalidades do Estado constitucional (seria necessário lembrar?). Mas o que é a justiça, dirão alguns, senão o triunfo das convicções?

A verdade é que a presunção de inocência passou de princípio constitucional a mito (frustrado). Em alguns países vale zero, como no Brasil. E quantas condenações definitivas – transitadíssimas em julgado – não foram revistas por grosseiros erros judiciários?

Por cá, a convicção vale o que o teatro permitir. E é neste contexto que não vejo porque não divulgaria a SIC as imagens do interrogatório de um ex-primeiro-ministro.  E se tudo é convicção – e esse é o principal critério do juiz na avaliação da prova – porque ficaríamos nós privados de formular a nossa convicção? Não está o processo livre do segredo? Não foram os intervenientes avisados dos filmes? Que o teatro, como é próprio, o seja à vista de todos e não em privado. Sobretudo se o que está em causa são actos de políticos.

A que título querem eles preservar uma privacidade, que dizem ser de todos, para esconder as vergonhas, quando não se coíbem de entrar em nossas casas todas as noites vangloriando-se das suas proezas? Não vejo portanto como negar a divulgação desses filmes. A divulgação das imagens mais não é do que um elemento para formularmos a nossa convicção. Que poderá ser muito diversa, tenhamos disso consciência daquela que, passadas décadas, a representação judicial (ou a verdade formal?) determinar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.