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Tecnologia é oportunidade de desenvolvimento

A digitalização pode ajudar à resolução de problemas do sector da contabilidade, mas terá de ter um enquadramento legal que o incentive.
20 Outubro 2018, 14h00

O desafio da digitalização é considerado fundamental para o desenvolvimento da atividade dos contabilistas certificados, mas para ser vencido, necessita que seja ultrapassada uma questão que é encarada como geracional, sendo ainda um enigma se a classe está ou não, em conjunto, a observar a aproximação do digital como uma ameaça ou uma esperança. Este enigma tem uma solução simples: como a profissão de contabilista na era digital acabará por ser um facto e não uma opção, está resolvido à partida, mas tanto a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), como o próprio governo, sublinham como meta não deixar ninguém para trás. A estrutura de classe sabe que há em matéria digital uma questão geracional que é necessário equacionar. E que, por outro lado, o digital obriga a “uma alteração do paradigma” que anos e anos de trabalho podem colocar em causa ou, pelo menos, constituir um entrave mais ou menos sério à modernização.

Susana Bastos, professora do Instituto Superior de Contabilidade e Administração Pública (ISCAP), não tem dúvida que os contabilistas precisam de se apetrechar “novas qualificações” e “informação multidisciplinar” numa tendência que deve necessariamente começar nos bancos das escolas. Para aquela docente, é o grau de competências transversais que determinado profissional conseguir agregar que determinará a extensão do seu sucesso. É esse, de algum modo, o desafio do digital  dado que o próprio sistema tende a ser indutor e não apenas replicador. Nesse quadro, “as ‘soft skiils’ devem ser desenvolvidas”, algumas delas claramente não fazendo parte do léxico tradicional da contabilidade. Num ordenamento que mais parece ser ‘coisa de artistas’, Susana Bastos elenca ‘skills’ como a inteligência emocional, o pensamento crítico ou a sensibilidade como instrumentos fundamentais ao futuro da profissão de contabilistas. A docente falava no âmbito de um seminário sobre “A profissão na era digital”, para uma plateia onde a mistura de gerações era imensa, sendo difícil de contabilizar que intervalos de idades estavam mais ou menos representados. Mas uma observação necessariamente empírica do que Susana Bastos afirmava permitia concluir que os contabilistas ali presentes não se achavam perante qualquer coisa próxima de um drama.

 

O digital como instrumento facilitador

Tanto mais que, como qualquer leigo perceberia, a ‘aventura’ digital incorpora, como dizia Pedro Lourenço, da BTOC, uma componente de facilitação do trabalho dos contabilistas que é de todo muito mais uma aliciante que um temor. “A tecnologia melhora a qualidade de vida” disse, exemplificando com o seu caso pessoal e com o da empresa onde trabalha. A digitalização permite, como comprovou o gestor, alterar o próprio paradigma da profissão: o tempo despendido na recolha e tratamento de informação – que normalmente deixa muito pouco tempo ao contacto com o próprio cliente e com as suas preocupações, chave do sucesso da relação de negócios entre ambos passa a ser, com o digital, ínfimo em relação ao que se passa atualmente. O resultado é claro: o tempo ‘eficaz’ passa a ser aquele que o contabilista está perante o gestor da empresa, o que resulta na facilitação do trabalho entre todos os envolvidos. E esse é o lado bom da questão: ao contrário do que eventualmente sucederá com profissões seculares que deixarão por certo de fazer sentido ou inclusivamente de ter lugar, o lugar da contabilidade não está em risco face ao impacto do digital. Ou, como resumiria Alan Johnson, da IFAC, Federação Internacional de Contabilistas, “as máquinas não vão ocupar o lugar do homem, mas melhorar a vida e a profissão dos contabilistas” o que, pelo menos no caso desta área, parece ser mais que certo. Para o responsável da associação internacional de contabilistas, o digital “é antes de mais um desafio”, com uma componente pessoal, mas também do conjunto da profissão.

 

A parte que cabe Estado

E é a esse conjunto que está reservada a segunda componente do desafio do digital: “O Estado tem de cumprir a sua parte”, dizem os responsáveis do sector. Ou seja, se o desafio do digital não for acompanhado de legislação que promova a alteração de procedimentos e, de forma estabilizada, permita uma transferência tranquila de normas, não terá valido a pena. Um exemplo simples: se a máquina fiscal quiser, em plena fase de transposição para o digital, continuar a exigir ‘toneladas’ de papel, o sistema vai por certo emperrar. Felizmente o ‘modus operandi’ de extração nacional vai funcionar, pelo uso da proverbial capacidade de adaptação dos portuguese. Mas, para que apesar de tudo essa adaptação não seja ‘à bruta’, a OCC vai passar os próximos meses a insistir na formação profissional dos seus membros, para que a transição seja pacífica, sem sobressaltos que coloquem em causa o próprio trabalho que continua a ter de ser feito e sem dramas pessoais. Até porque, como resumia Susana Bastos, “ser contabilista sim, mas não só”.

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