Há pouco mais de um ano, Donald Trump proibiu as empresas do seu país de fornecerem semicondutores à chinesa ZTE, naquele que foi o primeiro capítulo com impacto global da guerra tecnológica sino-americana. Esse decreto afetou diretamente as encomendas de equipamentos que o nosso operador tinha colocado pouco antes à ZTE para a expansão da rede, cujo fornecimento ficou adiado sine die.

Agora, os avanços e recuos em relação à proibição de negócios semelhantes com a Huawei levanta enormes incertezas sobre qual é a verdadeira situação e quais as perspetivas futuras. Ficamos sem perceber se os problemas com as empresas chinesas são circunstanciais e se se podem simplesmente interpretar como táticas próprias das negociações comerciais em curso ou se, pelo contrário, indiciam um problema estrutural de espionagem que ainda não foi suficientemente demonstrado.

Seja como for, esta incerteza afeta significativamente Portugal que, pela primeira vez na história, está colocado numa posição de vantagem para participar na próxima revolução tecnológica protagonizada pelo 5G, dada a enorme cobertura que o facilitador dessa revolução, a fibra ótica, tem em Portugal em comparação com a maior parte dos países europeus, incluindo os mais desenvolvidos economicamente.

As redes de comunicações e os dispositivos de acesso, herdeiros dos antigos telefones, são hoje um suporte ineludível de qualquer atividade social, económica e, cada vez mais, política. Esta acumulação de valor tem-nas transformado subitamente em protagonista das estratégias de poder, até ao ponto de constituírem uma peça chave da soberania tecnológica dos países, historicamente centrada na indústria armamentista.

Durante as últimas duas décadas, a China e os Estados Unidos, junto com a Coreia, têm determinado a evolução da indústria das telecomunicações e enfrentam-se agora pelo domínio tecnológico numa nova guerra fria, em que o aço dos tanques é substituído pelo silício dos telemóveis nos arsenais das novas armas de destruição maciça. No que respeita à balança comercial entre ambos os países, existe uma assimetria evidente nos valores globais: 23% das importações americanas vêm da China e só 8% das importações chinesas procedem dos Estados Unidos.

No entanto, se olharmos exclusivamente para os semicondutores, que são a alma de qualquer produto tecnológico, as empresas chinesas são o principal comprador dos fabricantes americanos, que exportam 200 mil milhões de dólares para a China anualmente, sendo que, uma boa parte deles são fabricados pelas empresas americanas na própria China, o que ilustra a complexidade das cadeias de valor que agora se pretendem desmontar. Para isso, desde o início do século, criaram-se na China 170 novas fábricas de semicondutores, valor que contrasta com a ausência total de qualquer nova fábrica na Europa.

O mundo entrou numa fase de bipolaridade assimétrica em que a China detém o poder económico e os Estados Unidos o poder militar. A guerra fria ensinou-nos que certa abertura com o adversário é sempre a melhor defesa para evitar um resultado catastrófico. Mas a mistura de questões tão diversas como a espionagem, o défice comercial e a corrida tecnológica dificulta a coerência das decisões na procura de uma relação previsível e estável, embora distante.