Até há 15 dias atrás tudo nos corria pelo melhor. Os portugueses sentiam-se uma espécie de irredutíveis gauleses imortalizados na fábula de Albert Uderzo e René Goscinny, criada em 1959, intitulada as “As aventuras de Astérix e Obélix”. Em 2010, Bill Gates previra que entre os fatores que mais poderiam constituir uma ameaça global, de todos, o que mais temia, era a ocorrência de uma pandemia mundial que se alastraria de forma rápida e incontrolável, pondo em causa a nossa forma de vida.

Volvidos dez anos sobre a previsão de Bill Gates, o mundo debate-se com a maior ameaça de que há memória desde a última grande guerra e enfrenta um inimigo invisível, que usa um nome de código que nos parece saído de um filme de ficção científica, Covid19, o qual irá devastar os sistemas de saúde, arrasar economias e mudar os hodiernos modelos de organização social das sociedades ditas avançadas.

Teremos, a nível mundial, uma forma de organização económico-social, incluindo a forma de organização do trabalho, antes e depois da pandemia. Um antes e um depois do C19. Neste cenário, afigura-se de elevada probabilidade, o incremento do recurso ao teletrabalho. O nosso Código do Trabalho (de agora em diante CT) define-o no seu artigo 165.º como “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.

O recurso ao teletrabalho depende nos termos da legislação vigente, do acordo por escrito entre o empregador e o trabalhador, como resulta do previsto no artigo 166.º do CT: “pode exercer a atividade em regime de teletrabalho um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de teletrabalho”.

Fora destas situações, acordadas entre as partes, e por escrito, o teletrabalho só pode ser imposto por uma das partes à outra em situações concretas previstas na legislação laboral.

É o caso de o trabalhador ter sido vítima de violência doméstica e a sua atividade for suscetível de ser desempenhada por teletrabalho, podendo o trabalhador solicitá-lo ao empregador a fim de evitar as suas deslocações ao local de trabalho. É igualmente o caso do trabalhador com filho de idade até três anos, quando a atividade profissional exercida seja passível de ser prestada em regime de teletrabalho e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.

De utilização residual até nos dias de hoje, o teletrabalho é trazido à liça pela pandemia, não tendo, no entanto, a legislação do trabalho em Portugal qualquer norma concreta que o preveja como fundamento para que empregador ou trabalhador, o possam impor unilateralmente à outra parte.

Contudo, no passado dia 13 de março, o governo aprovou o Decreto-lei n.º 10-A/2020, prevendo-se no seu artigo 29.º o seguinte: “Durante a vigência do presente decreto-lei, o regime de prestação subordinada de teletrabalho pode ser determinado unilateralmente pelo empregador ou requerida pelo trabalhador, sem necessidade de acordo das partes, desde que compatível com as funções exercidas.“.
Embora, não abrangendo os trabalhadores dos serviços essenciais, conforme resulta do artigo 10.º do mesmo diploma, sendo a prestação da atividade contratada ao trabalhador compatível com o recurso a tecnologias de informação e comunicação, o teletrabalho, pelo menos durante o período de contenção da pandemia, o mesmo tornar-se-á uma forma generalizada de cumprimento da prestação, devendo as entidades empregadoras criar condições para a sua efetivação.

O cumprimento da prestação laboral em teletrabalho implica o cumprimento do horário de trabalho e o pagamento da retribuição integral, nos exatos moldes em que ocorre quanto ao trabalho presencial. Naturalmente, a redução do horário de trabalho por menor disponibilidade do trabalhador implicará um reajuste da sua retribuição.

À data em que escrevo, não sendo certo que tal venha a acontecer é, no entanto, provável, que o governo venha a impor o recurso obrigatório ao teletrabalho como medida de contenção da pandemia, independentemente da vontade das partes, nas atividades que sejam compatíveis.