Há um ano o teletrabalho era uma miragem no nosso país, a tal ponto que, na Europa, só a Grécia e a Itália tinham menor implementação prática do teletrabalho. Esta fraca adesão devia-se a uma certa desconfiança por parte dos empregadores e à falta de incentivos à adopção deste mecanismo pelas empresas. Além disso, a falta de regulamentação do disposto na legislação laboral não dava a segurança necessária para a sua adopção de forma sistemática.

Mas a Covid-19 mudou este cenário por completo, trazendo uma implementação forçada e acelerada do teletrabalho no nosso país. De uma semana para a outra, 96% das empresas estavam a funcionar em teletrabalho e os resultados foram muito positivos. Há estudos que demonstram que a larga maioria dos trabalhadores ficou satisfeita e que os empregadores viram a produtividade e volume de trabalho das empresas aumentarem. Até o ambiente ficou a ganhar com uma clara redução do volume de emissões poluentes, em virtude da redução drástica das deslocações diárias casa-trabalho/trabalho-casa. Confirmou-se, assim, que eram possíveis as vantagens que há anos vêm sendo apontadas pelos defensores do teletrabalho.

Apesar da satisfação geral dos trabalhadores, provavelmente só de forma parcial se conseguiu demonstrar o potencial de conciliação entre a vida profissional e familiar que o teletrabalho acarreta, uma vez que a sua aplicação ocorreu num contexto muito excepcional, marcado pelo confinamento obrigatório e por uma grande pressão emocional, a par do encerramento das escolas, o que significou também para muitas famílias a necessidade de conjugar o teletrabalho com a assistência aos filhos.

Se as vantagens ficaram evidenciadas, este contexto excepcional realçou também algumas fragilidades e o quão atrasada está no nosso país a necessária regulamentação do teletrabalho. Vimos aumentar as horas de trabalho para lá do período normal, a colocação dos “custos de produção” a cargo dos trabalhadores, ou o surgimento de dificuldades no exercício dos poderes de autoridade e direcção do empregador. Assistimos também a algumas situações de atropelos aos direitos dos trabalhadores, patentes em alguns casos de negação de certos benefícios contratualmente previstos (como o subsídio de refeição) ou de uma excessiva intromissão nas suas vidas privadas, e a uma maior dificuldade de actuação da ACT.

Mas veja-se que, se por um lado a realidade do teletrabalho em contexto de crise sanitária tem particularidades próprias que não se repercutem para lá desta fase, por outro, anteciparam-se fragilidades que podem e devem ser dirimidas se se pretende uma maior promoção do teletrabalho, numa perspectiva de “smart working”, que permita aliar uma maior conciliação da vida pessoal e profissional à redução da pegada carbónica, associada às deslocações para o trabalho e à redução das desigualdades sociais ou regionais.

Qualquer crise, bem sabemos, afectará mais os mais vulneráveis, e também aqui o teletrabalho pode trazer vantagens para a promoção de uma maior inclusão, como é o caso das pessoas com deficiência, assim como para a diminuição das assimetrias regionais, captando talento para zonas menos povoadas do país. Mas devemos permanecer vigilantes relativamente aos efeitos quanto à especial dificuldade de conciliação entre a vida profissional e laboral para as mulheres, que assumem maioritariamente o papel de cuidadoras ou da assistência aos filhos, acautelando que as metas e os objectivos até aqui traçados no que respeita à igualdade de género não ficam para trás.

Só uma efectiva regulamentação do teletrabalho pode superar estes problemas. E, por isso mesmo, o PAN, na passada sexta-feira, lançou ao Parlamento o desafio de assumir a regulamentação séria e rigorosa do teletrabalho como uma das tarefas prioritárias para os próximos meses. Só assim resolveremos estes problemas e poderemos garantir que a experiência das últimas semanas tem condições para ser uma aposta séria no futuro e que não passará de um fugaz projecto-piloto ou mera utopia.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.