O anúncio da retirada norte-americana do Tratado de mísseis de médio alcance (INF), imediatamente reciprocada pela Rússia, foi mais uma estocada no regime de controlo de armamento nuclear. Russos e norte-americanos acusam-se mutuamente de violarem o Tratado. Provavelmente têm ambos razão. São vários os argumentos dirimidos. Vejamos os mais importantes. Em setembro de 2009, o presidente Obama anunciou a implementação da European Phased Adaptive Approach, um sistema antimíssil concebido para intercetar mísseis de curto e médio alcance, assente em terra e baseado no sistema Aegis.
Para instalar na Roménia e na Polónia, este sistema visava defender a Europa dos mísseis iranianos. Colocar um sistema antimíssil a menos de mil quilómetros de Moscovo para defender a Europa de mísseis iranianos não convenceu o Kremlin. A desconfiança russa era agravada por dois factos: os radares do sistema Aegis não tinham alcance suficiente para detetar e seguir os mísseis iranianos às longas distâncias, não permitindo o lançamento dos mísseis intercetores; o sistema Aegis pode ser rapidamente transformado e passar de um sistema defensivo para um sistema ofensivo. O sistema encontra-se preparado para lançar mísseis intercetores, mas num espaço de tempo reduzido pode também lançar Tomahawks, e outros mísseis ofensivos.
Por outro lado, os norte-americanos acusam os russos de violarem o INF deste 2014, por desenvolverem, produzirem e testarem secretamente um míssil cruzeiro de lançamento terrestre com um alcance superior a 500 km. Tanto russos como norte-americanos negam as acusações de que são alvo. Uma expressão do “dilema da segurança” no seu melhor, tão bem explicado pelos académicos neorealistas.
O sistema de controlo de armamento nuclear encontra-se preso por um fio. Dois dos seus pilares – o ABM e o INF – terminaram. Ainda permanece o SART, o terceiro e último pilar do sistema, mas com o fim aprazado para 2021. Conhecidas as críticas do presidente Trump aos vários tratados assinados pelo presidente Obama, e a declarada antipatia de John Bolton a tudo o que seja controlo de armamentos, não é difícil adivinhar o que irá acontecer.
O fim do controlo de armamento nuclear alimentará a corrida aos armamentos. Uma corrida que só terá perdedores. À semelhança dos “saudosos” tempos dos SS-20 de um lado e dos Pershing do outro, a Europa voltará a ser um palco de instabilidade estratégica. Vai ser mais perigoso viver no continente. Mas apesar disso, e da preocupação manifestada por alguns países europeus, há países próximos da fronteira com a Rússia desejosos de terem armas nucleares nos seus territórios.
As declarações do Secretário-Geral da NATO fazendo saber que a organização não tenciona instalar mísseis na Europa são vazias de conteúdo. Era bom que assim não fosse. A opinião de Soltenberg sobre esta e outras matérias conta pouco. Por seu lado, a União Europeia tem mantido uma postura ambivalente e frouxa, limitando-se a apelar ao diálogo construtivo entre Washington e Moscovo para preservar o Tratado. Esperava-se uma voz mais assertiva. Um projeto europeu estrategicamente autónomo assente numa política externa comum continua a ser uma quimera.