Em Novembro, a taxa de inflação na zona euro acelerou, de 4,1% para 4,9%, um novo máximo desde a criação da moeda única, reforçando os temores inflacionistas, a que o Banco Central Europeu (BCE) não tem dado grandes ouvidos.

Para este banco central estamos perante um fenómeno temporário, que deverá abrandar nos próximos anos. Continuo de acordo com esta tese, acrescentando um argumento que não tenho visto esgrimido.

A política monetária actua com um grande desfasamento: o seu impacto no PIB demora entre três a quatro trimestres a produzir efeito; as suas consequências sobre a inflação são ainda mais lentas, entre seis a oito trimestres. Ou seja, perante um fenómeno temporário, há o sério risco de a tomada de medidas monetárias contra a inflação só fazer efeito depois desta desaparecer, o que seria absurdo.

O que parece estar por trás da actual aceleração da inflação?

A subida do preço das matérias-primas energéticas, em parte devido a uma transição climática demasiado rápida em alguns países; constrangimentos na produção, sobretudo na China, devido a dificuldades no abastecimento de energia e confinamentos, que afectam o consumo final de alguns produtos e as componentes de muitos bens produzidos noutros países; a substituição da compra de serviços (impedidos pela pandemia) por bens, cuja procura subiu muito acima da tendência dos últimos anos; adaptações da mais variada ordem ao Covid. Como se verifica, são praticamente tudo fenómenos transitórios.

Recordemos o que se passou entre 2008 e 2020. Após a falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008, instalou-se uma crise financeira e económica, que levou os bancos centrais a medidas excepcionais, quer de redução de taxas de juro, quer de pacotes sucessivos de expansão quantitativa. Na altura, muitas foram as vozes a anunciar uma inflação galopante ao virar da esquina.

O que aconteceu foi que o BCE, muito longe de ultrapassar a sua meta de inflação (“abaixo mas próximo de 2%”), falhou por muito, tendo a zona euro tido uma inflação demasiado baixa, pelo menos desde 2013.

Isso é mau numa área monetária tão heterogénea, mas é ainda pior num contexto em que vários países, incluindo Portugal, estavam a braços com programas de ajustamento muito difíceis, sem possibilidade de desvalorizar a moeda.

Ou seja, o BCE tem sido péssimo a gerar inflação mínima, pelo que ter receio que se crie um excesso de inflação é quase ridículo. Para além de que é muito mais fácil corrigir inflação excessiva, basta subir as taxas de juro, do que inflação a menos, já que as taxas de juro não podem descer mais.

Há, no entanto, um receio – legítimo – de que inflação elevada seja incorporada nas expectativas, sobretudo por via salarial, e se torne permanente. Aqui é muito importante não confundir subida de salários com expectativas de inflação. As transformações da pandemia trouxeram o que, nos EUA, se designa por Grande Demissão, em que muitos trabalhadores tomaram consciência de quanto detestavam o trabalho que faziam e se despediram.

Hoje, muitas empresas estão com grande dificuldade em encontrar trabalhadores e, por isso, é muito provável que sejam obrigados a oferecer melhores salários reais. Os bancos centrais não devem fazer nada para contrariar isto.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.