Apesar da crise sanitária que vivemos, não podemos dizer que não tivemos tempo para preparar os dois atos eleitorais previstos para este ano. Mas esse não foi o caminho escolhido pelo Governo – nem pelo PSD – que optaram por mostrar ao país a pior das faces do bloco central.

Primeiro reforçaram o seu poder por via de um novo modelo de designação dos responsáveis das CCDR e da aprovação de uma revisão da lei eleitoral das autarquias locais que esquarteja os direitos dos grupos de cidadãos eleitores e dos pequenos partidos; e só depois, em outubro, com o foco na discussão do Orçamento do Estado e as eleições presidenciais  demasiado perto, se discutiu o que realmente era necessário, ou seja a adaptação da legislação eleitoral ao contexto da crise sanitária.

Resultado? Aumento em flecha da abstenção, filas de espera para o voto antecipado em mobilidade por insuficiente desdobramento das mesas, impossibilidade de voto de pessoas que ficaram em isolamento profilático, dificuldades de inscrição no novo mecanismo de voto antecipado por parte dos idosos dos lares, imposição do voto presencial aos eleitores inseridos em grupos de risco, menos de 2% do total de eleitores residentes no estrangeiro votou, pessoas com deficiência ou mobilidade condicionada impedidas de votar e, insólito dos insólitos, um candidato que não era candidato no boletim de voto!

Perante tudo isto, torna-se difícil compreender quem tapa o sol com a peneira, falando em “festa da democracia”, como disse o ministro Eduardo Cabrita, quando milhares de eleitores foram impedidos de exercer o seu direito de voto e uma vez mais perdemos para a abstenção.

É preciso, a bem do estado de direito democrático, saber evitar e corrigir estes erros com um processo legislativo atempado, ponderado, plural e devidamente debatido, que não fique confinado nos limites do bloco central, para que num futuro já próximo, como o das eleições autárquicas, não se volte a falhar.

Para tal, o Parlamento tem de ser capaz de corrigir as falhas que agora, e em tempo, estão mais do que identificadas, através de medidas como alargar ao máximo a possibilidade de voto antecipado em mobilidade aos eleitores em confinamento e aos eleitores inseridos em grupo de risco, para que ninguém fique impedido de votar, bem como assegurar uma maior simplificação e diversificação dos mecanismos na plataforma de inscrição para o voto antecipado, por forma a que os eleitores que não dominam as novas tecnologias não sejam impedidos de se inscrever.

Mas é preciso que o Parlamento vá mais longe na sua ponderação e, por um lado, avalie outras soluções, como o voto decorrer em mais do que um dia ou a introdução do voto por correspondência.

Precisamos que os direitos saiam do papel e cheguem até às pessoas, para que se garanta de forma efetiva o direito de participar nas decisões que nos dizem respeito e para que ao direito de voto corresponda, de facto, o direito de votar.