Dez dias volvidos sobre as últimas eleições europeias, já foram feitos todos os balanços: os comprometidos; os isentos; os parciais; os imparciais; os objetivos; os subjetivos; os sérios; os não tão sérios. Sem prejuízo e sem o intuito de alargarmos esses balanços, há um conjunto de notas esparsas que entendemos dever reter para memória futura. Po­dem ajudar a perceber muito do que se venha a passar na União Europeia, no plano institucional, nos tempos mais próximos.

Em primeiro lugar, e conforme escrevemos nestas páginas ao longo dos últimos meses, o Parlamento Europeu recém-eleito vai caracterizar-se por uma maior dispersão e pul­verização dos seus grupos parlamentares. Com uma característica adicional, também ela já aqui prevista – pela primeira vez nos últimos 40 anos, os dois grandes partidos políticos europeus perdem, (populares e socialistas) perdem praticamente o mesmo nú­mero de deputados cada e, no seu conjunto, deixam de representar pelo menos 50% da eurocâmara. A liderança continua a pertencer ao PPE, o maior partido político do Parla­mento Europeu, mas a sua margem de manobra reduziu-se drasticamente.

Em segundo lugar, assistimos a um reforço significativo do partido liberal europeu (ALDE) – não tanto pela subida consistente dos partidos que o integram ao longo dos diferentes países da União mas, sobretudo, devido ao facto de ir acolher o grande con­tingente de eurodeputados eleitos por Emmanuel Macron em França. Com o reforço dos eleitos franceses (que ficaram em segundo lugar no sufrágio realizado em França) os liberais beneficiam de uma posição mais confortável nomeadamente em termos de influir na próxima composição das instituições europeias. Não fazendo maioria parla­mentar nem com populares nem com socialistas, terão, porém, uma palavra a dizer na configuração das escolhas que o Parlamento Europeu tiver de realizar. Em termos sim­ples, dir-se-á que para o lado para onde se virarem, cairá e se formará a nova maioria parlamentar europeia.

Em terceiro lugar impõe-se registar que o temido crescimento das forças nacionalistas populistas e extremistas não teve a expressão que se chegou a temer e que esse perigo, de certa forma, foi atenuado ou contido. Cresceram os partidos, os eurodeputados e os votos populistas e extremistas, como se previa, mas sem que tal crescimento tenha atin­gido a dimensão que chegou a ser prevista.

Em quarto lugar, não se poderá esquecer que em 3 dos quatro maiores Estados da União a vitória nas urnas foi conferida a partidos ou movimento nitidamente adversos do pro­jeto europeu ou contrários ao seu aprofundamento. No Reino Unido com a vitória do partido do Brexit (apesar de, curiosamente, a maioria do eleitorado ter votado em partidos contrários à saída do Reino Unido da União), em França com a vitória de Marine Le Pen e em Itália com a vitória da Liga de Salvini o projeto europeu foi claramente derrotado nas urnas. Não se tratando de países indiferentes, contando-se entre eles dois Estados fundadores do próprio pro­jeto comunitário, é incontornável que esta votação se irá refletir indelevelmente no fu­turo da União. Em breve, quando os chefes de Estado e de governo se dedicarem a es­colher o próximo Presidente da Comissão Europeia e os restantes membros do colégio de comissários, talvez já comecemos a perceber de forma mais concreta de que forma esta votação se refletirá na concreta configuração das instituições europeias.

Por fim, o reforço dos “Verdes” um pouco por toda a Europa manda uma mensagem inequívoca do eleitorado europeu para as suas instituições – as questões ambientais e ecológicas constituem uma preocupação cada vez mais gravada na agenda dos europeus e, por isso mesmo, não pode nem deve ser um exclusivo aprisionado por forças políticas que manipulam o tema e dele fazem sua bandeira exclusiva.

Uma nota final não pode deixar de ficar registada nesta breve incursão sobre as principais ilações a retirar do sufrágio do passado dia 26 de maio. Ao contrário do que vinha sucedendo, de forma reiterada e tendencial, neste sufrágio o número de cidadãos a deslocarem-se às urnas subiu de forma significativa. Também nesse particular Portugal constituiu uma triste exceção. Olhando, porém, para votação europeia global, os números falam claro – há muitos anos e há muitas eleições europeias que não iam tantos europeus votar para o Parlamento europeu. Se este dado significar uma inflexão da tendência das últimas décadas, não deixa de ser um sinal de otimismo e esperança para o próprio futuro do projeto europeu. Os tempos próximos nos irão dizer se se tratou duma inflexão da tendência ou dum simples episódio ocasional sem a devisa sequência.