O Presidente da República explicou bem a razão pela qual se decidiu a declarar o Estado de Emergência: quer, sobretudo, prevenir eventuais necessidades da governação.

O executivo de António Costa fica, a partir de agora, com  poder legislativo e administrativo suficientes para fazer frente a eventualidades decorrentes da crise do coronavírus. Deixará de haver razão para discussões sobre a legalidade de decisões urgentes, como a da cerca sanitária a Ovar. No plano da circulação de pessoas, do abastecimento, da requisição de trabalhadores e de meios privados (em especial na área da saúde), da segurança, da defesa, dos voos e das fronteiras, da proteção civil e do direito à greve, o Governo tem todos os instrumentos de trabalho.

É intelectualmente desonesto, neste quadro, previsto na Constituição da República, mesmo que utilizado pela primeira vez a partir desse texto, agitar-se a questão da perda de direitos de cidadania. É verdade que pode haver choque entre o ambiente governativo a que estamos habituados, e é o normal, e a realidade que vamos viver nas próximas semanas (para já 15 dias), sobretudo ao nível da liberdade de reunião e deslocação. Dependerá do evoluir da “guerra”, como lhe chamou o Presidente.

Mas só espíritos que não vivam neste mundo podem detetar objectivos perversos, contra a Democracia e as Liberdades, nesta decisão. Trata-se, tão só, de lidar com uma situação excecional, que convoca medidas diferentes e em quase todos os países, à escala planetária. Aliás, algumas das decisões que podem ser necessárias implementar já contam com a predisposição dos portugueses para a sua aceitação, como se pôde, felizmente, constatar nos últimos dias com a generalizada aceitação do ficar em casa e do encerramento de várias manifestações culturais, desportivas e outras.

Não podemos queixar-nos da excessiva morosidade dos procedimentos constitucionais, como vistos do Tribunal de Contas para compras urgentes do Estado em tempo de crise, por exemplo, e depois, quando se agiliza o procedimento legislativo, sempre no estrito respeito da Constituição, passarmos para o outro lado e diabolizar um suspeito poder governamental a pairar ‘perigosamente’ sobre as nossas vidas. Não é lógico nem é sério.

Portugal, com os seus problemas de aplicação de Justiça e de práticas de corrupção generalizadas, tem massa crítica no âmbito da cidadania para que toda essa temática possa ser considerada apenas uma construção ou cínica ou infantil. Do ponto de vista formal, a nossa Democracia é sólida.

O que se poderia discutir, isso sim, é se deveríamos continuar no caminho da gradualidade, sempre a adaptar as políticas à realidade ou dar este salto decidido em frente. Para mim é claro que o Presidente fez bem: mais vale prevenir do que ter de remediar. Desejaria, aliás, que daqui a poucas semanas já fosse possível praticar nesta matéria o desporto mais popular destes dias, o ‘achismo’. Infelizmente, talvez tenhamos de esperar bem mais.

Ao nível partidário, Rui Rio fez ontem, na Assembleia da República, o mais importante (e mais inteligente) discurso deste tempo. Só ganha com isso, com essa frontalidade e esse suporte ao Governo e ao Presidente. O líder do PSD tem sido coerente na estratégia da responsabilidade perante o país. O Bloco de Esquerda, defendendo os seus pontos de vista, também o tem feito de forma responsável – tal como o CDS.

Ao contrário, não consigo perceber a abstenção do PCP. Abstenção num momento destes e numa questão tão importante? Parece-me que os comunistas estão mais preocupados com a defesa da teoria da ideologia do que com as pessoas e o problema concreto do combate à doença. O PCP entende que não podia dizer ‘não’. Inventou um incompreensível “sim, mas”.

Na economia, este é o tempo de começar a preparar a recuperação e evitar o caos social associado a um grande e expectável aumento da taxa de desemprego. Começam a surgir medidas nesse sentido mas ainda tímidas (menos de 5% do PIB). O esforço vai ter de ser maior e, obviamente, haverá orçamento retificativo. Isso já nem se discute.

Mas este ainda é, primeiro que tudo, o tempo da saúde, da prevenção, dos cuidados, da maximização dos recursos de apoio aos infetados, da proteção do pessoal hospitalar  e da confiança devida aos cidadãos que vão estar entre a vida e a morte. Tempo haverá para estabelecer outras prioridades e voltar ao debate. Agora deveria ser um momento de unidade nacional. Sem medo nem vergonha dessas palavras.