No verão passado, interrogava-me como estaríamos a alimentar tanto consumo. Os hotéis experienciavam altas taxas de ocupação, os restaurantes estavam repletos de gente, exigindo alguma programação numa altura, de férias, em que tudo o que menos queremos é ter horários e assumir compromissos com antecedência, mas que, se quiséssemos ir a um qualquer local para usufruir de uma refeição, teríamos de, numa correria, quase desenfreada, o marcar o quanto antes. As vendas de automóveis cresciam e a gasolina mais cara não reduzia o movimento nas estradas.
Vivíamos os reflexos da Guerra da Ucrânia, com o aumento dos preços da energia, dos cereais e das matérias-primas a condicionar a taxa de inflação, classificando-a já não de temporária, mas interiorizando o seu caracter permanente.
Do rol de argumentos que justificavam o dinamismo do consumo fazia parte a ideia de que tal era possível, por redução da poupança acumulada nos tempos da pandemia. Vivíamos um desejo incessante de recuperar a vida perdida, depois de um esgotante confinamento que a todos nos condicionou e abalou. Por isso, mantínhamos dinamismo no consumo, num contexto de tempos difíceis para a economia.
A taxa de poupança baixou, o crédito à habitação tornou-se substancialmente mais caro, devido à subida nas taxas de juro, os preços dos produtos alimentares subiram mais que a taxa de inflação, o gás e a eletricidade viram os seus preços aumentar significativamente e os salários reais a serem depauperados. Ou seja, a euforia do período estival foi-se atenuando.
Para já, o subsídio de férias ainda pode permitir cumprir com pagamentos em atraso ou ser aforrado por motivo de precaução. No entanto, nada se augura de bom no ano que se avizinha. Os impactos podem sentir-se de forma mais forte e o comportamento dos agentes económicos refletirá isso mesmo.
Não sou por natureza pessimista, mas os indicadores mais recentes sobre a evolução da economia portuguesa permitem antever tal evolução.
A taxa de poupança, dos dois dígitos alcançados durante a pandemia, prevê-se, no Boletim Económico do Banco de Portugal de junho de 2022, atinja, num horizonte de 2023-2024, um valor próximo dos 6%. O consumo privado vai abrandar significativamente, segundo as previsões de outono da OCDE, de 5,4% em 2022 para 0,3% em 2023, evidenciando um comportamento marcado pela enorme incerteza quanto à evolução das condições económicas.
A inflação, segundo as estimativas da OCDE, embora a descer (de 8,3% em 2022, passa para 6,5% em 2023 e só em 2024 atinge 3%), vai continuar a degradar o poder de compra. Por outro lado, para a economia da zona euro, destino fundamental das nossas exportações, prevê-se, num cenário mais pessimista, que a mesma possa entrar em recessão, e os impactos, naturalmente, manifestar-se-ão numa taxa de crescimento económico sofrível para a economia portuguesa.
A euforia dos tempos estivais vai desaparecer, já está a desaparecer neste final de ano e o ano de 2023 vai ser um ano muito difícil para as famílias, empresas e estado. A precaução nos processos de tomada de decisão deverá marcar o comportamento dos agentes económicos no ano que em breve se inicia.