A espaços somos confrontados com uma ou outra decisão judicial que, pelo seu absurdo, choca a comunidade. Foi o caso da decisão do Tribunal da Relação do Porto que, julgando um caso de violação de uma vítima inconsciente, não condenou em pena de prisão efectiva os dois homens que, sucessivamente, praticaram sexo com uma mulher inconsciente numa casa de banho de uma discoteca.

A quem subscreveu aquelas tristíssimas linhas, fica aqui o recado: uma violação é uma violação, independentemente do que tenha sucedido antes, sendo que as marcas que um ataque desta natureza deixa afectam uma pessoa para sempre. Ainda que tenha estado inconsciente. Se calhar, principalmente por o estar.

Se a um incauto cidadão a pena aplicada choca, a um jurista que tenha lido o acórdão o que pasma é a evidente contradição entre a fundamentação e a decisão sobre a medida da pena.

Revoltas à parte, aquela decisão é, quanto a mim, fruto de uma nova lógica que é imposta aos magistrados, a começar na sua formação e a acabar na forma como são avaliados e inspeccionados. Se no início são convencidos de que estão numa escola de elite (escola essa onde, refira-se, os formadores não cumprem sequer os requisitos mínimos de uma qualquer escola de formação…) e que, volvido esse período inicial, passarão a pertencer a uma qualquer casta especial, depois são avaliados em função do exacto número de processos que conseguem findar.

Um juiz que queira progredir sabe que o que tem de fazer é “matar” processos, independentemente do acerto da decisão, estando o sistema feito mais para os que se preocupam com a justiça formal do que a material. Por seu turno,  qualquer advogado com um número mínimo de processos habituou-se a ver o que chamo de justiça do “copy paste”, isto é, decisões que copiam outras, num movimento de contínua repetição de fundamentos, bastas vezes sem qualquer apego aos factos que era suposto julgarem.

O acórdão em causa, para além de surpreender por ter como relatora uma mulher, padece em larga medida dos vícios supra apontados. Mais do que um alarde nas redes sociais, o que é preciso fazer é avaliar este sistema, sob pena de nos tornarmos cúmplices dele. E, refira-se, elogiar os magistrados que, com prejuízo da sua carreira, resistem a tornar os processos uma mera linha de excell na estatística que alguns gostam de invocar para mostrar que fomos uns excelentes alunos da troika.

A celeridade na Justiça, desejável por todos, não se confunde com uma justiça “acelerada”, da mesma forma que, importa repetir, quem só sabe de direito nada sabe. Não se faz justiça quando se trabalha para uma estatística, convencidos que estamos num qualquer Olimpo que, na verdade, não passa de um edifício com as fundações podres. Pareceu ser este o caso.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.