Recentemente, escrevi umas linhas que expressavam o pensamento de que as características sociodemográficas dum país ditavam em boa medida e em condições normais o timing e conteúdo das políticas, isto é, da governação em geral.
E ressaltava no caso português que o facto de estarmos perante uma sociedade envelhecida, com pirâmide demográfica invertida, seria um sinal de que o sentimento base dos eleitores se caracterizava por uma maior moderação, quiçá resignação, e, em particular, por una não receptividade calorosa a mudanças mais profundas e por vezes agitadas. Mudanças estas de que a nossa economia poderá estar em alguns domínios carente.
Afirmava também que os governos – quaisquer que eles sejam –, ainda que não devam prescindir de acções de modernização da economia, teriam de ter apurada sensibilidade social (face ao baixo nível médio de vida e às ainda gritantes desigualdades sociais), insistindo mesmo que a capacidade de aceleração do desenvolvimento do país estaria condicionada pelas consequências do ainda elevado peso da divida pública, nomeadamente quando já se avizinhava a atual subida dos juros. Na verdade, estávamos a viver numa economia do “poucochinho”, melhor dizendo “do possível”.
As reformas mais turbulentas pareciam condenadas ao adiamento e apontava-se, nos círculos da oposição, o Governo e a maioria absoluta do PS como potenciadores duma atitude pouco ambiciosa. Contudo íamos vivendo com algum crescimento económico e indicadores de modernização, e pairava a convicção que o país iria dar, pela certa, sinais de um desenvolvimento à medida das suas possibilidades, se possível mesmo em termos relativos, sem grandes e agitadas ondas de mudança.
Até mesmo a configuração política a tal ajudava, pois temos o PS e o PSD que, ainda com visões e políticas diferenciadas, não deixam de representar um centro moderado, e sobretudo alternativa um do outro.
Mas eis que chega a tempestade. Mais propriamente já tinha chegado em 2021, através duma pandemia impiedosa que exigiu do Estado elevado esforço financeiro para aguentar a economia minimamente operativa, assim como um elevado esforço e dedicação demasiado focada do SNS. Foi duro, muito duro, mas eis senão quando nos encontrávamos (nós e os outros países afetados) a dar sinais de recuperação consistentes rebenta a guerra na Ucrânia com todo o cotejo de consequências dramáticas no fator chave que é a energia (dada a dependência da União Europeia nesta matéria) e também nos bens alimentares de base.
E agora temos a aceleração da inflação para níveis já muito significativos entregues à eficácia das políticas monetárias dos bancos centrais e consequentemente assiste-se a uma relevante perda de poder de compra da população num contexto das limitações provocadas pela necessidade, na nossa economia, de não derrapagem das contas públicas.
Claro que se coloca a questão política de se ser mais rígido ou mais flexível na abordagem do défice das contas publicas, mas temos de convir que o clima de incerteza reinante nesta fase crítica da economia mundial exige prudência e poucas aventuras nestas matérias!
É normal, pois os planos – à partida sempre insuficientes e criticáveis pontualmente – que o Governo gizou de apoio às famílias e empresas em ordem a compensar parcialmente dos efeitos duma elevada inflação. Sendo de destacar em particular o anúncio-não feito ao acaso – pouco ortodoxo do aumento das pensões que de imediato gerou toda uma controvérsia de previsível perca do seu poder nos anos vindouros a partir de 2024 e veio oportunamente suscitar um sério debate sobre a segurança social e sua sustentabilidade.
Entraremos eventualmente aqui por esta via uma gradual abordagem das ditas reformas estruturais, empurrados pelas circunstâncias, assim vencendo uma certa “resistência” por parte do Governo de maioria absoluta? Por exemplo, já parece estar desencadeada uma reforma do SNS, face aos casos de evidente ineficiência ocorridos no Verão. E em outras áreas-chave chegará a sua vez em função das pressões que uma nova conjuntura ditará, e na medida em que comece a impacientar-se o tal eleitorado “resignado”.
Terá terminado a época de “não fazer ondas”? Debates políticos sérios e consensos possíveis são exigidos!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.