“Toda a gente sabia” (1) excepto o próprio e inefável Barreto, que se põe fora do saco onde meteu toda a gente. Só lhe faltou a “barretal” e habitual conclusão: toda a gente sabia e sabe que a Reforma Agrária, mesmo depois de liquidada por mim e mais alguns da mesma laia política, só podia dar em desastre humano, ambiental, económico.

Odemira é a prova e a contraprova. Exploração da terra e da água insustentável. Trabalho escravo. Cumplicidade do poder político e económico. «Toda a gente sabia». Escapa um sociólogo, que foi ministro da agricultura anos atrás.

A registar. Os que prometeram, anunciaram um Alentejo de explorações agrícolas familiares e cooperativas de pequenos agricultores, produziram um imenso latifúndio de exploração, agressão ambiental e que só não é um suicídio económico, porque não se fazem contas à destruição do solo e à subsidiação pública da água. E que opera com infraestruturas construídas com dinheiros públicos, sem pagar rendas. (Depois das mais-valias da terra beneficiada pelo Alqueva terem sido inteiramente apropriadas pelo latifúndio).

Lembras-te, Barreto, da propaganda, demagógica e divisionista, da distribuição de terra a pequenos agricultores no processo de descrédito e destruição da Reforma Agrária? Não resta um rendeiro na Herdade dos Machados… Mas há muito hectare de agricultura intensiva e superintensiva. Mas que se há-de fazer? “São aquelas loucuras típicas de Portugal”! (2)

As mesmas famílias políticas, PS, PSD e CDS, que destruíram a Reforma Agrária, os mesmos que sabotaram a construção do Alqueva enquanto existiu Reforma Agrária, os mesmos que enchem o Diário da República e o discurso político com a palavra «sustentabilidade», produziram milhares de hectares de insustentabilidade social, insustentabilidade ambiental, insustentabilidade económica. Resta a sustentabilidade financeira, mas como sabemos esta é de curto prazo.

A terra não é hoje o ventre de uma produção agrícola e pecuária atenta aos equilíbrios da natureza e às necessidades de quem a trabalha e do país. A terra alentejana é hoje um “activo financeiro”, concentrada na mão de grupos financeiros, incompatível com uma agricultura familiar e cooperativas de produtores.

No perímetro do Alqueva, nos últimos 10 anos, cerca de 70% da terra mudou de mãos e o seu preço multiplicou-se por seis! A exploração capitalista agrária intensiva, “industrial”, de terras de dimensão latifundiária exige uma mão-de-obra numerosa, barata e precária/sazonal, dispensável sempre que necessário.

Nas heróicas jornadas de Abril e Maio de 1962 o proletariado alentejano e ribatejano, dirigido pelo seu Partido, conquistaram as oito horas de trabalho, pondo fim ao trabalho escravo de sol a sol imposto pelos latifundiários. Quase sessenta anos passados, o escândalo: trabalhadores nas mesmas terras trabalham 12 horas consecutivas, em regime de quase escravatura.

Algo está podre, muito podre no reino da política de direita do PS, PSD e CDS!

PS: por falar em Reforma Agrária, domingo passado, a comunicação social do costume não apareceu na Voz do Operário (terá estado a RTP 1). Desta vez, nem para dizer mal! Comemoravam-se os 100 anos do nascimento do General Vasco Gonçalves, o 1.º Ministro do Governo de Portugal que aprovou a Lei da Reforma Agrária. Nenhuma notícia. Ódio velho não cansa! 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

(1) “Público” de 08MAI21.

(2) “Sol” de 08MAI21.