As pessoas visionárias vivem entre nós e trabalham entre nós. A questão é que muitas vezes não as distinguimos na multidão ou preferimos não o fazer. Porquê? A resposta não é fácil, mas é proposta pela sexta Trienal de Arquitetura que irá decorrer em Lisboa no próximo ano. A Trienal tem sido, desde a sua fundação, uma plataforma aberta para dar voz a abordagens complementares contemporâneas sobre a arquitetura nacional e estrangeira. Um altifalante de disseminação do discurso sobre o papel decisivo da arquitetura na vida dos cidadãos.

O tema Terra proposto pelos curadores, a dupla de arquitetos Cristina Veríssimo e Diogo Burnay, é o mote para refletir sobre a “mudança de um modelo de sistema fragmentado e linear, caracterizado pelo uso excessivo de recursos, para um modelo de sistema circular e holístico motivado por um maior e mais profundo equilíbrio entre comunidades, recursos e processos”. Subentendendo, de facto, uma mudança nos modos de intervenção no território, paisagem e lugar, com estratégias mais abertas e participadas, com processos mais espontâneos e diretos, é requerido um envolvimento coletivo do arquiteto na realidade dos 99% da população.

É claro que as soluções estão para além do conhecimento de qualquer disciplina individual, é necessário trabalho interdisciplinar que incorpore diferentes pontos de vista e intercâmbio de saberes e fazeres capazes de resolver problemas que se prolongam no tempo.

Contudo, a procura do comum pelo desenho das práticas arquitetónicas é essencial para fazer emergir a necessidade de observar e escalar ambientes experimentais de aprendizagem e prática reflexiva. Para tal, é necessário enfrentar a quebra de laços entre a vida quotidiano nos bairros e a cidade formal, é imprescindível construir pontes de diálogo para lidar de forma projetiva e não reativa.

Neste sentido, pensar e agir em contexto através caminhos especulativos, sensoriais, com perspetivas abertas de futuro, que introduzem uma dimensão crítica da vida quotidiana urbana, é uma condição basilar para a construção visionária do bem comum que se ambiciona na Terra.

Mas como distinguimos os visionários na multidão nacional? Se estamos interessados em encontrar os arquitetos que refletem criticamente sobre os problemas reais das cidades na prática arquitetónica, com equipas multidisciplinares, e sobre o seu impacto nas comunidades locais, temos que olhar com muita atenção para os projetos aprovados recentemente no programa Bairros Saudáveis. Aqui encontramos um ecossistema de intervenções em pequena escala para a mudança numa escala alargada.

Como também podemos observar a arquitetura como instrumento que influencia e afeta a mudança social. Uma enorme oportunidade para intervenções razoavelmente acessíveis e fáceis de implementar, mas que têm um impacto alargado na forma como os arquitetos se envolvem com a cidade.

Estamos perante uma agenda visionária para os próximos dois anos. Embora o termo ‘visionário’ esteja associado a uma noção utópica, também representa uma imagem mental produzida pela criatividade para resolver problemas complexos. Tal é prioritário no envolvimento da comunidade na definição de soluções na Terra, no desenvolvimento da massa crítica coletiva e consequente equilíbrio entre recursos e processos na resposta dos arquitetos.