Sempre que se aproxima um ato eleitoral em Portugal, surgem na minha mente as palavras do poeta e músico norte-americano Gil Scott-Heron: “The Revolution Will Not Be Televised”.

O contexto social e político em que esse poema/canção surgiu resultou de um período de grande turbulência social gerada pelo movimento dos direitos cívicos nos EUA. A televisão nas décadas de 60 e 70 documentava e exibia as lutas e protestos por mudança que tinham lugar nas ruas, mas nem sempre aqueles que protestavam tinham o poder de controlar o tom e o conteúdo daquilo que era exibido. À medida que outras tecnologias começaram a massificar-se e a tornar-se mais acessíveis, foi possível divulgar uma miríade de vozes que anteriormente tinham sido invisibilizadas.

Há muitas leituras que podem ser feitas das poderosas palavras desse poema. A verdade é que a frase “The Revolution Will Not Be Televised” ganhou vida própria e ultrapassou décadas e outros contextos sociais, sendo apropriada por muitas causas e quadrantes políticos. E continua extraordinariamente atual. Mesmo no contexto eleitoral português, essa frase de Scott-Heron poderia ser apropriada sempre que nos confrontamos com uma eleição.

Não é a primeira vez, nem será provavelmente a última, que escrevo no sentido de denunciar como o sistema eleitoral está construído de uma forma que privilegia os partidos já instituídos e exclui novos partidos e movimentos de cidadãos que se apresentam a eleições. Estamos em pleno período de campanha das eleições autárquicas e continua a haver candidaturas que são excluídas de debates televisivos, sem se compreenderem os critérios dos media que levam a essa exclusão e persistem em ignorar a lei que estipula o tratamento de igualdade de todas as candidaturas, originando sucessivas queixas à Comissão Nacional de Eleições.

Continua-se a varrer para debaixo do tapete a importância desta questão. Todas as campanhas partidárias de partidos com representação parlamentar já têm montada uma máquina propagandística de peso que está especialmente bem afinada em alturas de período eleitoral e em sintonia com os principais meios de comunicação. Têm garantida uma visibilidade que é negada a muitos que não dispõem de acesso aos mesmos meios e recursos. A aposta nos meios digitais permite fazer alguma diferença, mas quem dita os temas e a mensagem ainda são os meios tradicionais de imprensa.

Sabemos que uma grande parte das campanhas eleitorais são um grandiosa mise en scène perante os telespetadores. Todos fazemos parte desse jogo, por mais que tentemos mudar as suas regras, mas não cabe aos meios de comunicação social condicionar as escolhas dos eleitores e determinar que partido ou movimento tem direito à representatividade.

Só nos resta continuar a exigir que períodos eleitorais informativos e esclarecedores, com tratamento igualitário de candidaturas, passem a ser sempre a regra na televisão.