“Chamo-me Telma. Tenho cancro. Sou Advogada há 15 anos, numa pequena cidade do interior. Devido à doença, há quase um ano que não consigo trabalhar. Perdi a maior parte dos meus clientes, do meu ganha-pão. Não recebo qualquer subsídio por me encontrar de baixa, apesar de ter trabalhado sempre nos últimos 15 anos. Todos os meses tenho de pagar mais de 200,00€ para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). A mesma Caixa de Previdência que não me atribui qualquer subsídio ou ajuda quando estou doente, exige-me que pague 243,60€ por mês para por mês para assegurar a minha reforma. Reforma que provavelmente nem chegarei a receber!”

Este trecho, verídico, consta de uma carta que dois advogados, José Pedro Moreira e Vasco Moutinho redigiram, em nome de milhares e em cujos signatários consta, entre muitos outros, o meu nome. Assinei-a, agradecendo o esforço de ambos na reacção ao actual estado da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Embora tal não seja assumido publicamente, a nossa classe, outrora tida como constituída por pessoas abastadas, está repleta de exemplos destes, aos quais os órgãos eleitos respondem, quando não com sobranceria, com a mais total indiferença. Não é suposto, presumo eu, assumir-se que grande parte dos advogados se vê aflito para pagar as contas e que devemos ser a classe mais desprotegida em termos de doença.

Ao invés, o que se parece visar é manter uma imagem tão falsa quanto redutora, principalmente se isso servir para deixar uns para trás e dividir o que há entre os mesmos de sempre. E, também com esse desiderato, a CPAS tornou-se, assim, na única instituição que pretende ver os seus associados mortos o mais rapidamente possível.

Enquanto os casos se acumulam e são varridos para debaixo de um gigante tapete feito de um silêncio ensurdecedor, a direcção eleita manda-nos (e o verbo está correctamente empregue) ter confiança no futuro. Um futuro que, tanto quanto percebo do que fica subentendido nos discursos apoteóticos feitos nas AG’s, está reservado aos que, como eu, conseguem ir pagando as contribuições, ainda que, pelo caminho, fiquem todos os demais, mesmo que doentes e incapacitados.

Adaptando uma citação do meu personagem preferido do filme que inspirou este título, Charlie Dalton ou Nuwanda, pelo menos exerço o direito a não andar por esse trilho. Há, como se diz no filme, um tempo para ser audaz e outro para ser cauteloso e um ser humano inteligente sabe distingui-los. Este é, claramente, o de ser audaz porque, de cautela em cautela, acabam os advogados todos sem reforma.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.