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Tiago Nobre Reis: “Blockchain poderá ser relevante para os direitos de propriedade intelectual”

Assinala-se esta sexta-feira Dia Mundial da Propriedade Intelectual. O managing partner da Inventa International acredita que o e-commerce tem contribuído para o acesso a produtos contrafeitos. “Há inventores que publicam as suas invenções antes de fazer a devida proteção das suas patentes, o que resulta na perda de novidade”, alerta.
26 Abril 2019, 09h15

No ano passado, Portugal ultrapassou a fasquia dos 200 pedidos de novas patentes, mais 46,5% em termos homólogos. Devemos ver o copo meio cheio (subida) ou meio vazio (quando comparado com outros países europeus)?

Na nossa opinião continua a ser insuficiente. Os números são mais animadores, é verdade, mas certo é que um dos fatores que faz com que sejamos pouco competitivos na economia europeia é a falta de aposta na inovação. Segundo os dados publicados pelo Instituto Europeu de Patentes (EPO) relativos ano 2018, somos dos países europeus com menor rácio per capita, com apenas 21.2 pedidos de patente por cada milhão de habitantes, que nos coloca no fim da tabela liderada pela Suíça, que apresenta 955.9 pedidos de patente por milhão de habitantes. É também lamentável a falta de informação que os portugueses possuem sobre esta matéria. Com muita regularidade existem inventores que publicam as suas invenções antes de fazer a devida proteção das suas patentes, o que resulta na perda de novidade e consequente recusa destes pedidos de patente que poderiam resultar num grande retorno financeiro para os empresários portugueses e para Portugal. Portugal é um país com uma dimensão modesta, que não consegue escalar a sua produção. Estando enquadrado no mercado europeu, não tendo recursos naturais abundantes, a grande aposta de Portugal deverá passar, necessariamente, pela economia do conhecimento. Contudo, para isso haverá que levar a cabo uma sensibilização para este tema, destacando-se a sua importância económica atual, as formas de proteção disponíveis e como é possível potencializar a faceta patrimonial dos direitos de propriedade intelectual. Só assim os produtos e serviços portugueses terão um valor acrescentado com relação a outros concorrentes. A falta de conhecimento deste sistema de patentes também se estende ao aproveitamento das patentes concedidas, que em primeiro lugar não investem no seu depósito a nível internacional o que lhes confere um direito muito limitado ao território nacional, bem como existe um fraco investimento na exploração e licenciamento destas patentes e um desconhecimento dos benefícios fiscais que o sistema oferece.

O relatório da OCDE de março refere que o valor total dos produtos de contrafação e pirataria comercializados internacionalmente ronda os 460 mil milhões de euros e corresponde a 3,3% do comércio mundial, face aos 2,5% de 2016. Estes números vão continuar a aumentar?

Apesar de o esforço cada vez maior levado a cabo tanto a nível institucional como pelos titulares de direitos de propriedade intelectual, a contrafação e a pirataria continuam a ser um negócio bastante lucrativo para os infratores, estando sempre este fenómeno associado a uma sofisticação nas formas de levar a cabo este tipo de atividades ilícitas. Ao falar sobre produtos contrafeitos, temos que obrigatoriamente falar da China, que é o maior produtor de produtos contrafeitos do mundo, estimando-se que cerca de 80% dos produtos contrafeitos são provenientes da República Popular da China e Hong Kong. Isto significa que grande parte do futuro da contrafação vai depender da China. O crescimento do e-commerce também contribui para uma maior facilidade no acesso a produtos contrafeitos a uma escala global, apesar de estarem sujeitos a diversas medidas de controlo de anti contrafação. Existem algumas medidas implementadas pelo governo chinês com vista a combater a contrafação, como, por exemplo, o registo das marcas nas alfândegas, que permite aos titulares de direitos de propriedade intelectual receberem notificações sobre mercadorias suspeitas, verificando a sua autenticidade. Por outro lado, o Supremo Tribunal chinês determinou que os tribunais deveriam usar o valor de mercado como referência para calcular e determinar danos no litígio, foram também introduzidas emendas à Lei da Concorrência Anti-Desleal que entrou em vigor em janeiro de 2018, aumentando os danos legais por atos de concorrência desleal que violam direitos de PI de aproximadamente 66 mil Euros para 400 mil Euros. Contudo este negócio representa uma grande fatia da economia Chinesa, o que torna tudo um pouco mais complicado, visto que ao combaterem a contrafação estão ao mesmo tempo a diminuir as suas exportações de forma drástica. Apesar de todas estas medidas aplicadas ao combate da contrafação, acreditamos que estes valores se possam manter ou até aumentar durante os próximos anos.

Como se contraria este fenómeno?

Tendo em conta que a contrafação e pirataria incidem sobre bens imateriais, ubíquos por natureza, i.e., que podem ser replicados em qualquer lugar e em qualquer momento, não poderemos continuar a aplicar soluções legais desadequadas, especialmente tendo em conta época digital em que nos encontramos. Será necessário olhar para a natureza destes direitos e para a sua especial vulnerabilidade. A nível europeu tem existido um esforço em dotar os Estados-membros de mecanismos legais que possam salvaguardar os direitos de propriedade intelectual e combater a contrafação e pirataria. Contudo, olhando, por exemplo, para a realidade portuguesa, a suposta modernidade da lei não é acompanhada pela sua execução a nível institucional, seja pela falta de meios, seja pelo desconhecimento e desconfiança em relação às soluções legais existentes, por parte de quem tem competência para julgar estes casos. Algumas das oportunidades reveladas pela Revolução 4.0 poderão constituir outra das formas de contrariar este fenómeno. A melhoria dos algoritmos já permite, por exemplo, a deteção de marcas conceptualmente semelhantes. Outro exemplo será a tecnologia blockchain. Esta poderá constituir um instrumento de grande relevância na gestão dos direitos de propriedade intelectual. Tendo em consideração, especialmente, as características da desintermediação e imutabilidade do blockchain, para além da importância que esta tecnologia poderá ter na gestão dos direitos, a sua implementação resultará ainda numa diminuição da contrafação. Com respeito a este último ponto, a ideia será desenvolver uma infraestrutura onde todos os interessados na cadeia de fornecimento, id est, produtores, transportadores, distribuidores, consumidores, tenham a possibilidade de verificar a autenticidade dos produtos de maneira simples e rápida, bem como a de poder alertar os titulares de direitos de propriedade intelectual caso exista detetem algum produto contrafeito.

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