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‘Tive que falar inglês para ser bem tratado’. Brasileiros denunciam discriminação em Portugal

“Não é problema meu se não sabe falar português”. “Brasileiro vir dar aula aqui? Claro que não”, são só algumas das frases ouvidas por quem já viveu deste lado do Atlântico.
6 Maio 2022, 17h03

Brasileiros que viveram ou ainda vivem em Portugal denunciaram à “BBC Brasil” situações de xenofobia, racismo e discriminação em todas as áreas do quotidiano, apesar de fazerem parte de uma nova geração mais qualificada e com maior poder aquisitivo. Alguns dos que foram embora ficaram tão traumatizados que não querem regressar.

“Não é problema meu se não sabe falar português”. “Não há água potável no Brasil”. “Os moradores estão a sentir-se incomodados ao ver uma pessoa assim, estranha, andando por aqui”. “Não entendes nada. És burra”. “Brasileiro vir dar aula aqui? Claro que não”, são só algumas das frases ouvidas por quem já viveu deste lado do Atlântico.

Alguns brasileiros que prestaram testemunho à “BBC Brasil” optaram pelo anonimato por temer represálias.

As mulheres altamente sexualizadas e vulgarizadas

“As brasileiras são, de maneira geral, vistas de uma forma extremamente sexualizada, como objetos sexuais. A sociedade portuguesa ainda é essencialmente machista e conservadora”, disse Mariana Braz. A brasileira namorava com um português há três meses quando este lhe disse que um amigo tinha acabado o relacionamento com uma portuguesa por causa de uma brasileira.

Episódios como este levaram-na a idealizar em 2020 o projeto social ‘Brasileiras não se calam’ que, no Instagram,  tem cerca de 50 mil seguidores e, fora dele, dá apoio a mulheres brasileiras imigrantes ao oferecer grupos de apoio emocional online gratuitos, e apoio psicológico e jurídico a custo social.

Situação semelhante aconteceu à filha de Isabel. Num dia em família num restaurante, a filha “levantou-se para buscar uma cadeira e pediu gentilmente à mesa ao lado, na qual havia duas senhoras sentadas. Uma delas nem esperou minha filha sair para dizer, sem mais nem menos, que as ‘brasileiras são todas vadias’”, contou.

Universidades propagam discriminação

Isabel voltou para o Brasil em setembro de 2020. Viveu em Portugal dois anos para fazer o seu mestrado na Universidade no Porto e conta ter ficado “chocada” com o preconceito no ambiente académico.

“Já havia feito mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e me considero uma pessoa extremamente preparada profissionalmente. Comentei com uma professora que gostaria de me candidatar a uma vaga para lecionar na universidade. Ela riu da minha cara e disse: “Claro que não, brasileiro vir aqui dar aula?”.

Outro episódio aconteceu à filha enquanto esta estudava em Portugal, Isabel assegura que “os alunos portugueses não costumam se misturar com os brasileiros. Em um trabalho de grupo, ela ouvia de colegas portugueses: ‘Não entendes nada. És burra?’.

Pedro, que também fez mestrado em Portugal, compartilha a frustração. “O nosso curso era de inglês e, devido a termos técnicos, queríamos fazer a prova em inglês. Mas nos deram a prova em português de Portugal e acabei indo mal. Quando fui reclamar, ouvi: ‘Não é problema meu se não sabes falar português’.”

De destacar que, recentemente, Pedro Cosme da Costa Vieira, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, no norte de Portugal, foi demitido por comentários sexistas, racistas e xenófobos, nomeadamente “as mulheres brasileiras são uma mercadoria”. E, durante a pandemia de Covid-19, um perfil identificado como sendo de um grupo da Faculdade de Engenharia da mesma instituição publicou nas redes sociais frases discriminatórias contra brasileiros e brasileiras.

Nos restaurantes e nas ruas, mais ou menos óbvio

Contudo, para Pedro, o pior acontecia fora do ambiente universitário. Ele relata que fingia não ser brasileiro e, por vezes, falava em inglês, a língua materna do seu companheiro, para “ser bem tratado”.

“Quando telefonava para fazer reservas em restaurantes e falava em português [do Brasil], sempre ouvia que não havia mais mesas disponíveis. Pedia a meu companheiro para ligar de volta e ele conseguia fazer a reserva. O tratamento era completamente diferente. Passei, então, a falar em inglês em restaurantes para ser bem tratado”.

Já Felipe, que foi professor de História em Brasília antes de se mudar para Portugal para fazer mestrado, diz que nunca foi alvo de preconceito ‘descarado’. “Mas você sabe quando é alvo de discriminação, ainda que ‘sutil’, seja pela forma como alguém te olha ou fala com você”, partilha.

“Trabalho para uma empresa de engenharia aqui e meu trabalho consiste em sair a campo para fazer medições. Uma vez, fui confrontado por um policial que me disse que ‘os moradores estão se sentindo incomodados de ver uma pessoa assim como você, estranha, andando por aqui’. Mostrei a ele todos os meus documentos, inclusive minha carteira de identidade portuguesa. E ele me perguntou como eu havia conseguido obtê-la”, expõe.

Denúncias não invalidam o gosto por Portugal

Os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal, representando 29,2% de todos os estrangeiros em situação regular no país, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que não inclui os brasileiros com dupla cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia e quem está em situação migratória irregular.

Em paralelo, de todos os não nacionais que vivem em Portugal, são os que mais revelam ser vítimas de xenofobia e racismo. De acordo com a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), as denúncias de casos de xenofobia contra brasileiros em Portugal aumentaram 433% de 2017 a 2020.

Embora tenham sido alvo de discriminação, os brasileiros que prestaram testemunho à “BBC Brasil” ressalvam que gostam “de Portugal e dos portugueses”, mesmo que alguns, como Pedro, não queiram regressar.

“Gosto de viver aqui. Como em todo lugar, há prós e contras. Sinto que tenho mais qualidade de vida aqui do que no Brasil, mas não é por isso que vou ‘passar pano’ para o racismo e para a xenofobia. Queremos construir uma sociedade mais igualitária, e não será escondendo problemas que vamos alcançá-la. Temos que encará-los de frente. E uma das formas é denunciando o que acontece”, diz Braz.

Mas Natalia Arantes, que vive em Lisboa, relata ter tido uma experiência diferente. Apesar de ter ouvido casos de discriminação, ressalva que nunca passou por situação semelhante. “Pelo contrário, sempre fui muito bem recebida aqui. Inclusive na minha empresa, sou vista como um ‘ativo’, pois entendo como lidar melhor com clientes brasileiros que buscam comprar imóveis aqui em Portugal”, diz a agente imobiliária.

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