Num ano tão marcado negativamente ressurgiu com alcance, impacto global e intensidade, a discussão sobre o racismo. As mortes de Breonna Taylor e George Floyd, marcadas pela violência policial, conduziram a reações públicas, algumas descontroladas, e deram novo lastro ao movimento “Black Lives Matter”, pelas imagens publicadas, pelas intervenções e ações de grande impacto mediático protagonizadas por figuras de vários quadrantes, da política ao desporto, na NBA, na Fórmula 1 ou no futebol. De braço no ar ou com um joelho no chão, a imagem de solidariedade pegou de estaca.

A crueldade expressa nas imagens sucessivamente repetidas, a injustiça e excesso tomaram conta das parangonas e trouxeram para a primeira linha a discussão sobre a ausência de igualdade, aparentemente com pouca consequência.

Apesar de décadas de leis, políticas e discursos, as questões da igualdade de direitos, da cor da pele e de género, o combate contra a violência doméstica, a liberdade religiosa e cultural, mantêm-se, e à primeira oportunidade regride-se para comportamentos primários e selvagens.

Portugal não está isento de exemplos também eles bárbaros. A morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa às mãos de quem tinha por obrigação cumprir a Lei. Com gravidade e incredibilidade, vimos este facto ser desvalorizado e quase escondido da sociedade portuguesa. Subitamente, assumiu uma dimensão pública quando deveria ter sido denunciado de imediato pela crueldade e violência de que se revestiu. Duro golpe na imagem de um país de brandos costumes, pela irresponsabilidade pública e política de muitos dos envolvidos.

Em todos os casos a prepotência e crueldade humana ceifaram vidas. Terá sido racismo, a eterna luta entre fracos e fortes ou intolerância. Condutas em nome do Estado, revestidas do cumprimento da lei, mas que pelo seu excesso penetram no tratamento diferente e destapam a desigualdade e a diferença.

O número de pessoas assassinadas, vítimas de terrorismo, de violência doméstica, de jornalistas por violação da liberdade de informação, de migrantes a fugir da guerra e da escravidão tem aumentado todos os anos. Os apelos de líderes mundiais de Estados ou organizações, como o secretário-geral da ONU, ou a intervenção do Papa, não bastam para travar este drama.

A humanidade chegou à lua há 50 anos, desenvolve tecnologia com robôs quase humanos, computadores super velozes, mas avança pelo futuro sem conseguir resolver as iniquidades da sociedade. Os esforços para compreender a vida, que a comunidade científica prossegue e que a intelectualidade debate, não foram ainda completados por resultados em domínios tão singulares e objetivos como respeitar de igual modo todos os seres humanos. A proclamação da igualdade não pode ser um mero enunciado negado por comportamentos individuais irresponsáveis. Esse é o nosso maior desafio, porque todas as vidas contam.