Já não subsistem dúvidas de que muitas empresas ver-se-ão obrigadas a recorrer ao instituto da insolvência e ao plano especial de revitalização, por causa dos efeitos económicos decorrentes da situação de emergência sanitária que vivemos.

As únicas medidas tomadas por este executivo ao nível do regime jurídico da insolvência consistiram em ampliar o prazo dentro do qual a Administração deve requerer a insolvência, prazo que se inicia a partir dos primeiros indícios de dificuldade séria ou impossibilidade de cumprir com as suas obrigações de curto prazo e a de dificultar na prática os pedidos de insolvência por parte dos credores.

São medidas conjunturais e com pouco alcance.

Urge portanto tomar medidas estruturais no regime da insolvência, permitindo salvar as empresas economicamente viáveis. Sugere-se um regime de “fast track” para as empresas que recorram ao regime do plano especial de revitalização ou ao plano de insolvência, na modalidade de “turn around” versus liquidação.

Em primeiro lugar, cumpre definir normativamente o que se deve entender por empresas economicamente viáveis, sugerindo-se um critério simples e não o recurso a indicadores económico financeiros complexos e históricos que, muitas das vezes, não permitem um juízo de prognose sobre a viabilidade da empresa. Essa avaliação da viabilidade económica terá necessariamente de ser efectuado, tendo em conta as medidas de reestruturação que se propõem, no pressuposto de que as mesmas serão aprovadas pelos credores. Estas medidas podem consistir na redução dos créditos, redução da taxa de juro, moratórias, prazos de carência de capital e/ou juros, restruturação do quadro de pessoal, venda de activos, dações em pagamento, operação harmónio, incorporação dos créditos em capital, cisão, fusão ou outras operações de concentração, etc.

O critério deve ser, assim assente no EBITDA da empresa versus o seu endividamento total (rácio de solvabilidade), após a reestruturação da dívida. Dir-se-á que este rácio deverá ser diferente de sector para sector, mas poderíamos encontrar um índice mínimo, por ex. de 3,5, para que se considerasse que a empresa seria solvente após a tomada das medidas de recuperação. Isto significaria, na prática e em termos muito simples que a empresa demoraria três anos e meio para pagar a totalidade da dívida com o seu “free cash flow”.

Estas empresas teriam assim direito a um processo especial, automático e expedito, por forma a que se tornasse solvente o que é insolvente. Deveria assim, desde logo, cair a exigência de o requerimento do plano especial de revitalização ser acompanhado por um credor relevante, sob pena de esse entrave poder obstaculizar a reestruturação da empresa.

Mesmo com este critério, o que, por si só, obrigaria os credores a aceitar a negociação das medidas de reestruturação propostas, competiria sempre aos credores a última palavra sobre o futuro da empresa, se estes entendessem que, após as medidas aprovadas em sede de PER ou num plano de insolvência, a empresa, mesmo que não atingisse aquele limiar, deveria, mesmo assim, ser salva.

Em segundo lugar, a maioria dos credores necessária e suficiente para aprovar as medidas de reestruturação, máxime o “haircut” a que cada classe dos credores estaria sujeita, deveria ser a maioria simples dos votos emitidos pelos credores (sem exigência de quórum), excluindo os credores subordinados e não se contando as abstenções. Os credores com direito de voto seriam aqueles cujos créditos estivessem evidenciados no balanço da sociedade e dos que, não constando do balanço da sociedade, reclamassem os seus créditos e vissem assim os seus créditos elegíveis. Desta forma, encurtava-se muito o prazo das reclamações dos credores, pois o balanço da sociedade seria, em princípio, suficiente para a determinação do quórum deliberativo. Naturalmente, haveria que reforçar a tutela penal para a falsa contabilização e permitia-se rapidamente encontrar uma solução de reestruturação financeira da empresa.

Em terceiro lugar, a decisão de homologação deveria ser imediata e, de preferência, emitida na própria data da votação pelos credores do plano. Não compete ao juiz substituir-se aos credores ou à empresa no seu juízo empresarial sobre a solvabilidade de uma empresa. Seria uma aplicação do princípio da cláusula do “business judgement rule”. Esta medida é seguramente a mais importante pois o tempo é crucial neste tipo de empresas.

A Administração Fiscal, a Segurança Social e os bancos, garantidos ou não, respeitado o princípio da igualdade de tratamento, seriam obrigados a votar favoravelmente as medidas propostas sempre que o valor de liquidação se mostrasse inferior ao valor dos créditos reestruturados, o que poderia ser efectuado mediante uma avaliação independente requerida pelo Tribunal, caso o plano de recuperação não fosse aprovado pela referida maioria.

Claro que teria de alterar-se o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, o qual, numa situação de pandemia, deveria ceder ao valor mais elevado da protecção da empresa e dos seus trabalhadores (e da manutenção do agente pagador de impostos e contribuições para a segurança social).

As garantias reais e pessoais seria mantidas para caucionar os créditos reestruturados e não pelo valor original da dívida garantida, evitando que um qualquer credor com uma garantia que lhe permitisse solver a sua dívida impusesse a sua lógica egoísta sobre o valor mais elevado do interesse social da empresa e dos seus trabalhadores.

Os créditos subordinados seriam extintos para que o sacrifício fosse repartido e através da atribuição de opções de conversão dos créditos em capital a qualquer credor, pelo valor nominal, por forma a evitarem o “haircut” dos seus créditos, permitia que os donos das empresas sofressem efectivamente a dor de perderem o controlo ou, em muitos casos, a propriedade da sua empresa. É mais do que justo!

E não se argumente que os bancos ou o Estado ficariam numa situação pior do que aquela em que estariam antes da insolvência ou após a liquidação da empresa. De facto, estes teriam sempre a opção de converterem os seus créditos em capital e mais tarde recuperarem a totalidade do investimento através da venda das suas participações (possibilidade de estipulação de claúsulas de “drag” e “tag along”), ou de verem o seu crédito reduzido, mas com um potencial de serem reembolsados num valor económico superior ao que resultaria num cenário de liquidação, com um valor muito inferior ao valor de mercado (“fire sale value”).

Claro que os bancos garantidos, normalmente com garantias reais ou pessoais, poderiam ficar prejudicados. No que toca às garantias pessoais, estas manter-se-iam, numa lógica de acessoriedade com a dívida garantida, sendo que os planos de recuperação não têm eficácia quanto aos fiadores e avalistas. Já nas garantias reais prestadas pela empresa, estas seriam reduzidas na medida da extinção do montante dos seus créditos. Quanto a este aspecto seria justo que fossem conferidos benefícios fiscais à banca que lhes permitisse recuperar este valor económico que perdem em prol do interesse social inerente à sobrevivência da empresa e da manutenção dos postos de trabalho. Bastaria acrescer aos benefícios fiscais já previstos em sede de insolvência, uma majoração às imparidades que seriam aceites como custos fiscais em sede de IRC.

Uma última palavra para as medidas de insolvência pessoal, nomeadamente daqueles que arriscaram uma aventura empresarial e que esta pandemia os levou, sem culpa sua, a afundarem-se. Reduzir o prazo da exoneração do passivo restante (com a entrega aos credores da totalidade do seu património e dos rendimentos), dos actuais cinco anos para dois anos, permitindo que toda uma geração que gosta do risco possa reerguer-se e criar novas empresas, criar emprego e fazer com que o país prospere.

Sugere-se, assim, que o recurso à insolvência pessoal deixe de ficar limitado a determinados valores irrealistas e que a negociação do programa especial para acordo de pagamento tenha em conta esta alternativa de exoneração do passivo restante em “fast track”, permitindo que os credores aceitem mais rapidamente a recuperação daqueles que se tornaram insolventes.

É que a insolvência pessoal não deve ser um estigma, mas, como muitas vezes é visto nos Estados Unidos, uma mera batalha perdida numa guerra de empreendedorismo. Um “fresh start” que se crê virtuoso!