É a periferia das grandes cidades europeias que abriga uma categoria de trabalhadores que abandona o calor dos seus leitos e dos seus lares ainda de madrugada para trabalhar. Por isso, quem, por coincidência, já saiu no mesmo instante, ainda a coberto da escuridão da noite, depara-se com milhares de rostos de trabalhadores invisíveis. Em Portugal, esta classe de trabalhadores não tem sido objecto de análise em estudos sociais. O que nos leva a concluir que são, não só, figuras ausentes da paisagem política e social, mas, também, de quaisquer abordagens académicas. Trata-se, por isso, de uma classe trabalhadora invisível.

Os trabalhadores invisíveis são, sobretudo, sujeitos desprotegidos de salvaguardas jurídicas e políticas. Muitos, por se encontrarem desprovidos dos tão almejados documentos, ficam à mercê de um conjunto de abusos e da exploração económica e social das entidades patronais, que perpetuam uma situação de escravatura moderna. Mesmo os que possuem documentos não dispõem das qualificações necessárias para conseguirem um trabalho de maior dignidade. Muitos destes trabalhadores não são capazes de alterar as suas circunstâncias socioeconómicas, porque não são, por exemplo, titulares do direito de voto.

Estes trabalhadores não prestam um trabalho invisível, desenvolvendo actividades bastante relevantes para vários sectores da economia. Não é demais relembrar que, quando os trabalhadores visíveis chegam aos seus locais de trabalho já encontram os seus lugares higienizados e bem cuidados, quando os trabalhadores visíveis abrem ementas e cardápios e conjecturam sobre os seus almoços e jantares já os trabalhadores invisíveis levam horas de muito trabalho na preparação de refeições imaculadas, quando os trabalhadores visíveis, já a noite caiu, se dedicam à família ou ao ócio, há um conjunto de trabalhadores invisíveis que se ocupa da gestão de resíduos urbanos.

Estes trabalhadores não se sentam nas cadeiras que limpam, não comem as refeições que preparam e não ocupam o espaço (público) das ruas que limpam. Estes trabalhadores vão cumprindo, sim, de forma escrupulosa e numa base diária, as regras de higiene no local de trabalho e preservando a saúde pública, conforme estipulado pelas autoridades do Estado. Apesar da relevância destas funções nos nossos dias, pense-se nos riscos associados ao incumprimento destas regras para a saúde de todos, a actividade dos trabalhadores invisíveis continua a não ser valorizada e dignificada.

Poucos são os trabalhadores visíveis que reflectem sobre o facto de a sua segurança laboral ser garantida pela actividade de um trabalhador invisível. Isto ocorre em razão de a organização do trabalho não permitir o contacto diário entre uns e outros, o que impede, por vezes, a formação de uma cadeia de solidariedade, por um lado. Por outro, as organizações de trabalho estratificam os trabalhadores em diversas subclasses para se gerar uma cultura de diferenciação social.

Os vínculos dos trabalhadores invisíveis são quase sempre precários, estando estes trabalhadores frequentemente presos às amarras da subcontratação, da prestação de serviços a empresas de trabalho temporário. Os trabalhadores invisíveis acabam, quase sempre, por prestar o seu serviço a terceiros, isto é, a entidades que não são as suas verdadeiras empregadoras.

Criou-se, de facto, na legislação laboral moderna uma zona cinzenta da subcontratação para desviar o grau de responsabilidade directa das grandes empresas e dos grandes grupos económicos, impedindo que sejam directamente associados às práticas modernas menos correctas, ou mesmo desumanas, para não afectar a consciência colectiva dos trabalhadores visíveis.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.