Temos assistido ultimamente ao fenómeno do aumento de número de trabalhadores a beneficiarem de baixa médica e, em paralelo, a um aumento de pedidos de Juntas Médicas para concessão de reforma, por invalidez.

Serão já sinais das metamorfoses ocorridas no mundo laboral? Será que estes factos estão relacionados com os impactos da robótica, inteligência artificial e novas tecnologias no contexto de trabalho e a desadequação de alguns trabalhadores às novas competências que se exigem aos trabalhadores para o mercado de trabalho da indústria 4.0?

A problemática tem assumido foros de controvérsia pública, a propósito do tema das chamadas “baixas fraudulentas” e o aumento das altas dadas pelas Juntas de Verificação.

Antes de tudo, importa relativizar o problema pois Portugal tem uma das mais baixas taxas de absentismo da Europa (cerca de 9%), similar aos seus vizinhos do sul da Europa (Grécia 6,7%); Itália (8%); Espanha (11%), em contraponto com as percentagens bem superiores do norte da Europa (Alemanha 18%; Holanda 20%; Finlândia 24%). Os nossos 9% de absentismo, embora com tendência crescente, estão longe da taxa média da Europa, que se fixa nos 15%.

Mas o número de portugueses a beneficiar do subsídio de doença tem vindo a aumentar. Em 2018 foi ultrapassada a barreira do meio milhão (valor similar ao número de desempregados a beneficiar de subsídio), e 2019 tem vindo a confirmar essa tendência. O facto é preocupante pois, neste século, o ano com o maior número de baixas médicas tinha sido em 2001, ano em que a população a trabalhar era bem superior à de hoje.

A Segurança Social, em 2018 e 2019, intensificou a fiscalização das baixas médicas concedidas por mais de 30 dias e, em função da sua atuação (que já cobre 98% dessas baixas), cerca de 25% dos beneficiários de baixa foram declarados em condições de trabalhar.

Não obstante, os serviços de fiscalização ainda não cobrem nem fiscalizam mais de metade dos cidadãos que beneficiam de baixa médica, pelo que uma sindicância mais rigorosa, iria detectar muitos mais casos (o dobro?) de utentes que não mereciam beneficiar de protecção.

Entendo que hoje, ao invés do que já ocorreu com frequência há duas décadas atrás – são raros e residuais os casos em que os médicos vendem atestados médicos e se cobram por certificar baixas médicas. Como referiu o Bastonário da Ordem dos Médicos, “não há baixas fraudulentas, porque quando um médico passa um atestado médico ou uma baixa é porque o doente está doente.”

Tal honestidade e rigor clínico não invalida que os médicos trabalhem hoje sob uma grande pressão da população para que lhes seja dada baixa médica. Os utentes entendem que o “direito à baixa” depende da sua vontade e que é obrigação do médico prescrever a baixa. “Venho cá buscar a baixa”, é frase comummente ouvida.

Um estudo da DECO refere que um em cada cinco médicos recebe todas as semanas pedidos de baixas desnecessárias, sem motivos clínicos, e que há utentes que admitem exagerar nos sintomas para obter baixa médica, simulando doenças para iludir o médico. É comum os doentes consultarem a net (Dr. Google) e pesquisarem sintomas para enganar o clínico…

Diria que, por um lado, o aumento das baixas médicas fica ligado ao problema cívico e cultural dos utentes entenderem que “têm direito à baixa”. Outra explicação é de natureza económica, pois o número de baixas médicas aumenta em zonas do interior e deprimidas do país, em alguns setores específicos da economia e em camadas da população com baixos salários (que tentam cumular a baixa médica, com outros rendimentos informais nomeadamente “biscates” ou agricultura sazonal).

Daí que se fosse concluir que o fenómeno do aumento do número de baixas médicas “fraudulentas” se deve a razões culturais e cívicas, mas também laborais e económicas. Aliás, é tão curioso como preocupante atentar numa estatística: dos trabalhadores convocados para juntas médicas de verificação da baixa, 14% não compareceram, regressando ao trabalho no dia imediatamente anterior à data marcada para a junta médica. Este é um dos temas que estará em debate no “Labour 2030”.