Não há tema mais falado nas últimas semanas que a COP26, e não faltam comentadores com opiniões contrárias sobre os resultados e o acordo final. Na realidade, todos começamos a perceber a dimensão da transformação que teremos que enfrentar nos próximos anos e a necessidade de rapidamente acelerar uma descarbonização que tarda em ser uma realidade efetiva. E o facto é que, com COP ou sem COP, com mais ou menos regulamentação, o setor empresarial sabe na sua generalidade qual o sentido das ações que deve tomar.
Ao mesmo tempo estamos a atravessar uma fase em que as cadeias logísticas estão a sofrer um dos períodos de maior disrupção da nossa geração, com ameaças de falta de matérias-primas essenciais, longas filas de espera de navios para desembarcar contentores, preços de fretes marítimos em máximos inimagináveis e consequentes aumentos de preços de matérias-primas e produtos ao consumidor.
Mas o que é que a descarbonização tem a ver com crises em cadeias logísticas? Podíamos falar na necessidade de reduzir as emissões no transporte marítimo e da profunda alteração que este setor vai enfrentar nos próximos anos com as metas de redução impostas pela Comissão Europeia, e das experiências de introdução de combustíveis verdes como o hidrogénio ou a amónia. Mas há uma outra importante alavanca de descarbonização que vai ser a alteração do paradigma das nossas cadeias de valor e logísticas para um futuro circular, com cadeias muito mais curtas e uma enorme redução da pegada carbónica dos materiais que consumimos.
Se considerarmos apenas a produção primária de metais, actualmente esta representa cerca de 7 a 8% do consumo global de energia. Com a passagem para uma utilização secundária, para uma cadeia circular de reutilização ou reciclagem, o consumo de energia reduz-se por um factor de dez. Se os metais são um exemplo extremo, a necessidade de redesenhar cadeias de valor e a forma como consumimos e retiramos utilidade de materiais/produtos, ou como as empresas desenham essa experiência de consumo, vai ser fundamental para atingir a tão desejada neutralidade carbónica.
Segundo o Circularity Gap Report 2021, a duplicação da circularidade da economia global, passando de uma reutilização de 8,6% para 17% dos materiais, pode reduzir em 39% as emissões de gases de efeitos de estufa. Esta transformação circular está a criar oportunidades económicas muito interessantes para empreendedores e grandes empresas e pode ter um potencial significativo para o aumento do emprego.
Os empreendedores já estão a fazer o seu papel e os desafios desta profunda transformação circular são as oportunidades que eles estão a agarrar. Este é actualmente um ecossistema muito dinâmico, e exemplos não faltam seguramente. Como a Waste Transformers que desenvolveu uma solução contentorizada para a digestão anaeróbica de resíduos orgânicos para produção de energia e fertilizante orgânico ou a Reath que desenvolveu um passaporte digital para os materiais para assim permitir a sua rastreabilidade.
Vamos precisar de dar espaço a estas soluções inovadoras, a novos modelos de negócio e novas tecnologias, e só o vamos conseguir de uma forma colaborativa e abrindo uma via de diálogo e experimentação entre os diversos intervenientes como estes empreendedores, grandes empresas, consumidores, reguladores e entidades locais como os municípios ou juntas de freguesia ou multilaterais como as Nações Unidas e a tal da COP26.