A recente pandemia da Covid-19 trouxe alterações profundas à forma como as empresas e os seus stakeholders interagem entre si, ao promover a adoção rápida e alargada dos canais digitais como suporte à maioria das suas interações, o que é já visível no estudo de 2020 “Economia e Sociedade Digital em Portugal”. Também em Portugal, e a título de exemplo, a Associação da Economia Digital prevê que o valor do comércio electrónico B2C e B2B ascenda a 110,6 mil milhões de euros, em comparação com os 96 mil milhões de euros relatados em 2019.

Um pouco por todo o mundo, as empresas estão a procurar reagir a uma mudança significativa dos seus modelos de negócio e métodos de trabalho, de forma a manterem não só a sua capacidade de operação como também a sua competitividade.

Cerca de 40% dos CEO que participaram no 2021 Global Digital Trust Insights, realizado pela PwC, relataram ter acelerado processos de digitalização nas suas organizações nos primeiros três meses da pandemia.

Falamos de tendências como o trabalho remoto, a automação industrial e robótica, chatbots de atendimento ao cliente, entretenimento assente na realidade virtual, saúde digital, utilização da cloud e muito mais. Também cerca de 50% dos CFO inquiridos no PwC COVID-19 CFO Pulse Survey afirmam que melhorar a experiência de trabalho remoto está no topo das suas agendas, pelo que planeiam acelerar a automação e o desenvolvimento de novas formas de trabalho a curto prazo.

Num contexto de grande incerteza, não é de estranhar que, no que diz respeito às decisões de investimento, 82% dos CFO afirmam planear reduzir ou adiar as mesmas devido ao atual panorama económico. Contudo, quando o tema é o investimento na transformação digital apenas 11% equacionam realizar essas reduções, prevendo-se até que o investimento em transformação digital esteja a aumentar a nível mundial a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 15,5%, de 2020 a 2023.

Os dados acima parecem indicar que as organizações apostam na transformação digital como um pilar significativo da sua resposta ao atual contexto económico. A transformação digital nas empresas e nos organismos do Estado já não é só uma decisão estratégica mas sim uma realidade necessária.

Se decisões desta magnitude não são fáceis de tomar, em especial num período de forte incerteza, o surgimento dos fundos europeus pode ser um fator decisivo nesta avaliação.

Os fundos do Portugal 2020, Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e do Plano de Recuperação Europeu (Next Generation EU) vão permitir a Portugal beneficiar de um volume significativo de fundos, que deverão ser aplicados ao longo dos próximos nove anos na recuperação e expansão da economia nacional, em parte através do apoio às empresas e organismos do Estado.

Efetivamente, o QFP 2021-2027 alocou a Portugal um total de 29,8 mil milhões de euros, aos quais acrescem os fundos destinados ao Plano de Recuperação e Resiliência Português (PRR), que contará com cerca de 12,9 mil milhões de euros em subvenções e ainda com a possibilidade de atribuição de cerca de 15,7 mil milhões de euros na modalidade de empréstimos.

Neste âmbito, Portugal apresentou à Comissão Europeia um documento que define as prioridades de investimento do país para a retoma da economia, estruturadas em torno de três dimensões – Resiliência, Transição Climática e Transição Digital. O PRR prevê um valor de 2,9 mil milhões de euros para apoiar a transição digital do país, dos organismos do Estado e das empresas portuguesas.

As empresas têm agora um recurso financeiro adicional para apoio às suas aspirações de estruturas e modelos de negócio de matriz digital, que permitam desmaterializar transações, processos e formas de trabalho, contribuindo para acelerar a transformação digital rumo a organizações mais eficientes e focadas na experiência do consumidor.

A aposta em modelos de informação preditivos que promovam a tomada de decisão em tempo real, a adopção alargada de tecnologias para automação de processos, de novos modelos de governo e estruturas organizacionais e de processos que proporcionem maior confiança, rastreabilidade e segurança dos dados, vão ser opções em cima da mesa. Há agora que identificar de forma clara as ambições estratégicas de cada organização e perceber aquelas opções que, devidamente conjugadas, melhor se integram nas arquiteturas tecnológicas existentes.

Também vital para a análise e seleção de projetos é o equilíbrio do portfólio de transformação entre projetos táticos (de execução e retorno rápido) e os mais estratégicos (transformadores a médio e longo prazo), bem como a relevância dos mesmos para a competitividade das empresas, organismos do Estado e da economia. A “capacidade de execução” destes projetos, quer por efeito da exigência do calendário, quer da complexidade de implementação, será de extrema importância para assegurar um impacto real e sustentável na economia e nas empresas.

Os desafios que se colocam não terminam por aqui e estendem-se a toda a concepção de um modelo que permita uma utilização criteriosa e rápida dos fundos pelas empresas e organismos do Estado. Temas como a alteração à Lei da Contratação Pública, a definição de critérios de alocação dos fundos e o reforço dos mecanismos de controlo dos investimentos vão ser a chave para o sucesso de uma eficiente alocação dos fundos. Portugal e as empresas portuguesas não podem falhar sob o risco de verem reduzida, a médio prazo, a sua competitividade no mercado europeu.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.