A aplicação do dinheiro da “bazuca” – ou das “vitaminas”, como ultimamente tem sido designado, numa mudança do bélico para o profiláctico – está modelada no chamado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Disponível online para consulta e auscultação pública até 1 de Março, tem sido igualmente objecto de debates, discussão e comentários, quer em vários canais de televisão, quer na rádio ou ainda na imprensa.

O documento pretende dar uma visão estratégica para a recuperação de Portugal, assentando em três dimensões consideradas fundamentais: resiliência, transição climática e transição digital; nele “estão plasmadas reformas estruturais fundamentais para assegurar a saída da crise pandémica e garantir um futuro resiliente para Portugal”.

Confesso a minha perplexidade perante a conciliação destes dois objectivos: sair da crise e assegurar um futuro resiliente. Sendo a resiliência a propriedade dos materiais que os faz readquirir a sua forma inicial, temo que, se a analogia funcionar, voltemos ao ponto de partida. Mas ultrapassemos o significado travestido do termo, que, aliás, é um dos que está na moda.

O Governo apressou-se a submeter o Plano à Comissão Europeia no pressuposto, como se lê na nota introdutória, que assim será também dos primeiros a dar início à implementação do PRR, o que é importante devido à urgência de uma resposta robusta (outra palavra que tem vindo a impor-se em vários tipos de discurso, em alternância e coerência com “musculado”).

Com gralhas, distracções ou erros, consoante o nosso grau de condescendência, o dito Plano formula intenções, define metas, traça objectivos, estimáveis e impolutos, para os quais atribui verbas, na expectativa da sua concretização.

Atentei na vertente da transição digital; não por me sentir empolgada em descobrir como se lhe atribui 14% e 40% dos montantes, respectivamente, das componentes “Florestas” e “Bioeconomia Sustentável”, depois de 100% desses montantes terem ido para a Transição Climática (vejam as figuras 14 e 15 do documento)! Não, na mira do meu interesse esteve, sobretudo, a Escola Digital.

Complementando o campo da Educação, registei com agrado, no que se refere às Qualificações e Competências, os investimentos destinados à modernização de infra-estruturas e equipamentos das escolas e da rede de centros de formação profissional, o apoio a vários programas com a finalidade de reforçar a participação de adultos em formação ao longo da vida, a intenção de reduzir a percentagem de adultos, incluindo jovens, em idade activa sem o nível de ensino secundário e aumentar o número de licenciados, alcançando “um nível de 60% dos jovens com 20 anos que frequentem o ensino superior, com 50 % dos graduados de educação terciária na faixa etária dos 30-34 anos até 2030”.

Bom, quer dizer, relativamente a este último propósito, confesso a minha incapacidade para descortinar a sua lógica; o objectivo não deveria, antes, centrar-se em ter um certo nível de formação na faixa etária dos 30-34 anos?

Mas voltemos à transição digital, cujo principal propósito, no que à escola diz respeito, é a inovação educativa e pedagógica através do desenvolvimento de competências em tecnologias digitais e a modernização do sistema educativo português.

Numa altura em que a educação é proclamada como elemento estratégico do desenvolvimento, torna-se importante que as escolas se assumam como os centros dinamizadores dessa transformação, correspondendo simultaneamente às aspirações da juventude e às necessidades da sociedade. É inegável, na minha opinião, o contributo que o digital pode trazer.

O investimento nos equipamentos tecnológicos das escolas, o uso do computador individual, o acesso à internet, o reforço da literacia digital de alunos e professores permitirá desenvolver actividades dentro e fora da sala de aula, disponibilizar informação, dados, produzir conteúdos educativos, desmaterializar recursos, visando uma melhor aprendizagem. Queremos uma geração qualificada, efectivamente competente e não ancorada num sucesso fictício proporcionado por um relativismo pedagógico ou complacência despropositada.

Contudo, não resvalemos para a ilusão de que o digital por si só será a panaceia para os males da educação. Mais do que nunca, diria eu, importa promover o espírito crítico que permita a interpretação de resultados e a formulação de juízos de conhecimento e de valor, importa desenvolver a capacidade de raciocínio, o discernimento na recolha e tratamento da informação e as competências de comunicação escrita e oral. Se não houver bolo, onde vamos pôr a cereja?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.