Julgo que existe na Europa um consenso amplo sobre os efeitos negativos do aquecimento global e a necessidade de fazer alguma coisa para contrariar ou atenuar esses efeitos. Onde provavelmente já não encontraremos o mesmo consenso é ao nível das medidas que, directa ou indirectamente, podem contribuir nesse sentido. Esta constatação é amplamente demonstrativa da dificuldade do tema.
Discute-se se os objectivos de rápida descarbonização são adequados ou exagerados, se as medidas adoptadas pelos Governos e empresas no sentido de dar cumprimento a pelo menos alguns desses objectivos são virtuosas ou exageradas, se o ênfase na temática da sustentabilidade não está a ser sobreavaliado face às reais capacidades dos países e das populações, se o esforço pedido à sociedade é suportável ou se irá provocar uma profunda crise económica, etc.
Infelizmente, o debate é muitas vezes travado numa óptica de análise dos custos a muito curto prazo e, como é cada vez mais normal neste mundo de redes sociais que facilitam exercícios de catarse individual e colectiva, feito mais com base em aparências do que em factos reais e comprovados.
Na realidade, neste debate ninguém tem razão em termos absolutos, nem ninguém está completamente errado, o que é, aliás, característico quando o debate é influenciado por factores emotivos: independentemente de que lado do debate estejamos, as certezas de uns não são suficientes para ultrapassar as dúvidas dos outros.
As iniciativas relativas à transição energética e à sustentabilidade vão ser caras, e vão fazer aumentar os custos da energia? É muito provável que sim, pelo menos a curto e médio prazo. Trata-se de tecnologias ainda em desenvolvimento, ou que requerem grandes investimentos na produção e distribuição, e que terão de ser financiadas através do aumento de preços, sob pena de serem inviáveis.
É natural que daí resulte um aumento geral dos preços dos produtos mais variados, porque a energia é factor de produção em todas as actividades. E o aumento dos preços levará a que alguns desses produtos deixem de ter aceitação por se tornarem excessivamente caros, podendo provocar a falência das empresas produtoras. Isto é negativo? É! Resta saber se é evitável, e se manter o statu quo não significa apenas adiar a inevitabilidade.
Mas outras empresas surgirão para desenvolver novas actividades, para satisfazer necessidades induzidas directa e indirectamente pelas novas formas de produzir energia. Há aqui uma evidente oportunidade de criação de riqueza que, na minha opinião, não deveríamos deixar escapar. É que esse novo mundo, resultante da transição energética e das preocupações com a sustentabilidade não é já só uma miragem distante, está aí ao dobrar da esquina.
Espanta-me por isso que haja quem persista em discutir se a Galp fez bem ou mal em descontinuar a pesquisa de petróleo, se a decisão do Governo português de abandonar o carvão como fonte de produção de energia é correcta ou precipitada, ou se a Índia a e China tem ou não condições para aderir mais fortemente à inevitabilidade da mudança (com toda a probabilidade não têm, e esse é o problema maior que têm de resolver).
É uma mera questão de tempo. E é também uma questão de gestão e aplicação dos recursos (técnicos, financeiros, intelectuais…) disponíveis, que devem ser canalizados para projectos orientados para a transformação da economia. Prolongar a agonia de soluções tecnológicas cuja sustentabilidade está claramente em questão é adiar a morte certa de um modelo passado e não trabalhar em soluções de futuro.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.