A maior das polémicas geradas pelo Orçamento do Estado para 2024 foi certamente a subida do Imposto Único de Circulação (IUC) para viaturas com matrícula anterior a 2007. Fernando Medida, que parecia esperar a solidariedade de uma população movida por questões ambientais, obteve uma reação feroz da opinião pública, indignada com o acréscimo de carga fiscal sobre as famílias de menores condições económicas.

Esta resistência era antecipável num país dependente do automóvel próprio – em 2021, 59% dizia-se incapaz de viver sem carro – incentivado por políticas públicas de fraco investimento em transportes públicos. Em 2016, os portugueses estavam assim entre aqueles que menos usavam transportes públicos na União Europeia (Eurostat).

A consulta das estatísticas do Observatório da Mobilidade e dos Transportes permite perceber a evolução do investimento no sector e das diferenças entre a oferta e a procura.

Foi a dependência do automóvel individual que, em 2021, impeliu o Governo a promover o AUTOvoucher, devolvendo aos contribuintes o imposto cobrado sobre os combustíveis quando o preço do petróleo iniciou a sua escalada. Esta não foi, de todo, uma medida desenhada em defesa do ambiente.

O paradoxo é que, em termos relativos, circular de automóvel é relativamente barato em Portugal, já que não existem transportes públicos que o consigam substituir e que não há custo que supere o de não conseguir chegar ao destino desejado, normalmente o local de trabalho, fonte de rendimento.

Não será de estranhar assim que os ânimos aqueçam perante uma medida que questiona este direito.

A discussão perpetuar-se-á enquanto ambiente e mobilidade não forem objeto das reflexões de fundo que merecem, mas sim o resultado de um somatório de medidas avulsas e contraditórias entre si, como o AUTOvoucher e a subida do IUC.

Medina ter-se-ia poupado à chuva de críticas se tivesse escutado os conselhos de especialistas que advogam que os problemas ambientais se resolvem a par com os da mobilidade, isto é, com a transição para transportes coletivos e não pela troca de automóveis individuais a combustão por automóveis individuais elétricos. Os fundos de investimento que quer constituir deveriam elegê-los como prioridade.

A aposta nos transportes públicos é uma medida equitativa que permite uma poupança significativa para as famílias menos favorecidas, enquanto facilita a transição ecológica. Se bem feita, os ganhos podem não só superar os custos, como ser um fator de inovação com externalidades positivas.

Colombo não conseguiria ser tão engenhoso.