O termo trauliteiro, reservado aos partidários da Traulitânia, tem as suas raízes nas disputas entre republicanos e monárquicos no início do século XX.
Em janeiro de 1919, na tentativa de restaurar a monarquia, num período em que a República se confrontava com as dramáticas consequências da Primeira Guerra Mundial, com o alastrar da pneumónica, responsável por milhares de mortes, e com o assassinato de Sidónio Pais, às mãos de José Júlio da Costa, em plena Estação do Rossio, Paiva Couceiro proclamou, no Porto, a restauração da Monarquia, a qual duraria menos de um mês.
Na realidade, em 13 de fevereiro de 1919, 25 dias após a proclamação de Paiva Couceiro, o capitão Sarmento Pimentel derrotou a monarquia portuense, pondo fim a um curto período que ficou conhecido como “o reino da Traulitânia” ou “Monarquia do Norte”.
Na atualidade, o termo é utilizado com o significado de caceteiro ou de espancador, sendo habitualmente usado relativamente a praticantes de desporto, nomeadamente futebolistas, que se destacam pelo recurso à força, sem se preocuparem com a integridade física dos seus adversários, ou por políticos que não olham a meios para alcançar os seus objetivos.
Seja pela sua origem, seja pela natureza tradicionalmente aguerrida das gentes do Norte, é habitual ouvirmos serem apelidados de trauliteiros os jogadores ou mesmo os dirigentes de clubes do Norte do país ou, então, políticos oriundos desta região.
Não obstante, nos dias que correm, os trauliteiros há muito que estenderam a sua influência às restantes regiões, sendo possível encontrá-los um pouco por todo o lado na sociedade portuguesa e não só. O futebol, indústria que movimenta muitos milhões, que apaixona multidões, que alimenta rivalidades, que antagoniza pessoas, é cada vez mais dominado por trauliteiros, seja dentro, seja fora das quatro linhas.
Depois da morte à nascença da Superliga Europeia, criada por um grupo de trauliteiros endinheirados, que pretendiam cavar cada vez mais o fosso entre ricos e pobres, assistimos em Portugal a um trauliteiro que decidiu agredir em direto um jornalista por estar a exercer a sua profissão. O triste espetáculo, presenciado por outros trauliteiros, prudentemente distraídos, marca a realidade do futebol português, dominado, nos últimos anos, por presidentes e treinadores trauliteiros.
Como aceitar que os treinadores dos chamados grandes, devidamente respaldados pelos seus presidentes, sejam protagonistas semanais de incidentes junto das equipas de arbitragem, utilizando uma linguagem deplorável e adotando comportamentos próprios dos homens das cavernas. Sabendo-se da atenção que o desporto-rei desperta entre os jovens (e os menos jovens), esperar-se-ia que os responsáveis máximos dos clubes pudessem funcionar como exemplos a seguir.
Nada de mais errado. São eles, precisamente, quem mais contribui para denegrir a imagem do desporto, para fomentar a rivalidade e acicatar o ódio entre os adeptos. Figuras como Vale e Azevedo, Bruno Carvalho, Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira ou António Salvador estão longe de se poder relevar como exemplos a seguir e mesmo aqueles de quem esperávamos, atendendo à sua formação superior, um pouco mais de decoro, como acontece com Frederico Varandas, parecem, em frequentes ocasiões, deixar-se embalar pela triste companhia dos demais, enveredando por aquilo que poderíamos designar como “nouveau trauliteirismo”.
Está na hora dos responsáveis máximos do Governo do nosso país tomarem nas suas mãos a decisão de punir severamente o crescente trauliteirismo que invadiu o nosso desporto, algo que seria bem mais fácil se não fossem as sempre problemáticas e perniciosas ligações entre política e futebol e a queda para o trauliteirismo que também vem contagiando a atividade política e os seus máximos responsáveis.