A rede social Twitter está em fase de acelerada auto-destruição desde que foi adquirida por Elon Musk no final de 2022. Passou a ser um X distópico e negro que tem amplificado o pior das redes sociais, mas ainda há por lá comunidades que têm gerado iniciativas incríveis. Em plena semana da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa (JMJ), não posso deixar de realçar uma iniciativa em particular.
No ano em que foi publicado o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica Apostólica Romana Portuguesa, com a confirmação de que terão sido mais de 4.800 as vítimas de abuso da Igreja, um grupo de cidadãos fez questão de relembrar as vítimas e organizou uma campanha de crowdfunding que permitiu a colocação de três outdoors (Algés, Alameda e Loures) com uma mensagem (em inglês): “Mais de 4.800 crianças abusadas pela Igreja católica em Portugal”.
Se estes cartazes vão durar ao longo da semana da JMJ é algo que ainda não sabemos no dia em que escrevo esta crónica, que coincide com a chegada do Papa a Lisboa. O maior evento da Igreja Católica apoderou-se da cidade, com peregrinos de todo o mundo, e ninguém se poupou a despesas, desde as autarquias ao Governo, para receber o Papa Francisco. Um evento sustentado por gastos públicos megalómanos, e que minam por completo a natureza laica do Estado. Se dúvidas restassem sobre a laicidade ser uma ilusão em Portugal, elas são estilhaçadas com esta festa católica que transformou Lisboa num parque de acesso restrito.
E, no entanto, o Papa Francisco é um Papa em sintonia com os tempos. Está consciente das grandes questões do nosso tempo e dos efeitos do capitalismo desregulado na sociedade, e fez questão de mencionar as preocupações dos jovens, “a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade em encontrar casa e o medo de constituir família”. Além disso, a Igreja portuguesa sinalizou que haverá um encontro discreto entre o Papa e as vítimas de abusos sexuais por parte do clero português.
Mas, por mais que o Papa Francisco se manifeste em defesa de uma Igreja solidária e a favor do Estado Social, não deixa de representar uma instituição longeva que há muito se alimenta de forma predadora dos seus crentes e necessita de reformas. Que legado quer a Igreja Católica transmitir a estes jovens de todo o mundo, se ainda continua a aceitar por parte das suas figuras uma ação que não é concordante com os princípios que tanto apregoam?