Nas últimas semanas as atenções em Portugal centraram-se no essencial em três grandes temas: o agravamento das tensões internacionais em resultado dos ataques terroristas do Hamas e das suas consequências, o Orçamento do Estado, e a situação no SNS.

No plano internacional é de constatar um amplo consenso relativamente à condenação dos ataques do Hamas e, em abstracto, ao direito de Israel se defender. Já não é tão consensual a opinião sobre a extensão, âmbito e efeitos das acções retaliatórias desencadeadas por Israel. A este respeito a opinião pública (ou pelo menos a opinião publicada) em Portugal é coerente com a europeia.

Há, contudo, reflectindo em parte idiossincrasias muito típicas dos portugueses, mais assentes na emotividade do que na razão, alguma picardia relativamente às afirmações do Secretário Geral da ONU, António Guterres, que disse que “os ataques do Hamas não partiram de um vácuo”. Consoante o posicionamento ideológico, os observadores qualificam estas afirmações como uma justificação do terrorismo ou como a reafirmação de princípios como o direito à criação de um Estado da Palestina dentro de fronteiras estáveis e seguras, e o respeito pelas normas do Direito Internacional Humanitário, há muito aprovados pela Assembleia Geral da ONU.

Também há um consenso mais ou menos amplo relativamente à significativa evolução da Ordem Mundial a que temos vindo a assistir nos últimos anos para o desenvolvimento de um cenário multilateral. Países como a China, a Índia, o Brasil e vários outros, que estávamos habituados a ver como relevantes numa perspectiva regional, estão rapidamente a projectar-se para a cena global, e surgem outros actores na cena regional como o Irão, a Arábia Saudita, a Turquia, o Paquistão, a Indonésia e a África do Sul (para além de “outliers” como a Coreia do Norte).

Há uma alteração fundamental dos equilíbrios herdados primeiro da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, do desmembramento do Pacto de Varsóvia e da União Soviética. As guerras no Médio Oriente e na Ucrânia são manifestações dessa evolução, e demonstram que o Mundo está actualmente mais perigoso. Os portugueses estão conscientes desse facto.

O segundo tema tem tido repercussões que provavelmente o Governo não esperaria. É o caso da anunciada alteração ao IUC, alvo de uma rejeição generalizada. Na minha opinião, as pessoas estão muito mais preocupadas com tributação em geral do que com o IUC em particular. Sentem que estão a pagar muitos impostos, e muito elevados, e atendendo ao quadro geral da economia portuguesa não é fácil contraditar esta percepção. Até porque a informação estatística disponibilizada, mesmo sendo verdadeira, é filtrada ou interpretada consoante a sensibilidade e as intenções dos intervenientes.

É verdade que a carga fiscal em Portugal, considerando ou não as contribuições para a segurança social, tem vindo a crescer de ano para ano, o que é interpretado como aumentando o esforço solicitado aos contribuintes, pessoas e empresas, para sustentar o Estado.

Também é verdade que esse aumento resulta do aumento da actividade económica e do número de pessoas empregadas, o que significa que em termos individuais o esforço não está a aumentar, pelo menos na mesma intensidade.

E também é verdade que o peso da carga fiscal no PIB em Portugal é inferior à média da União Europeia, o que significa que o peso dos impostos pagos pelos contribuintes portugueses é menor do que o que é pedido aos da maioria dos outros países da União.

Esta realidade não é suficiente para contradizer a sensação que cada um de nós tem – estou a pagar mais do que o que devia. Essa sensação não se vai ultrapassar sem que se repense o Estado e as suas necessidades de financiamento, e sobretudo que se consiga resolver o terrível efeito do enorme peso da economia informal, que está avaliada em pelo menos 35% do PIB. O Orçamento de Estado deveria ser apreciado à luz desse debate.

Finalmente o SNS tem sido um tema crónico, e vai continuar a ser. É um caso estranho, em que todos têm razão, exactamente pelas razões que apontam, mas cada um parece só ver a sua metade da realidade. É necessário um pouco mais de flexibilidade para que sejam atendidos os argumentos que se opõem. E sobretudo que se consiga um diagnóstico sobre as razões e causas das dificuldades que o sistema atravessa.

Não basta aumentar sucessivamente os orçamentos ou os salários – tudo o que se fizer a esse nível nunca será suficiente – nem provavelmente adequado – sem uma avaliação prévia das áreas de carência técnica e de gestão, infraestruturas e de recursos humanos e materiais do sistema, e das suas relações com o sector privado. Ou seja: o que queremos que o SNS seja.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.