No meio da turbulência política que se fez sentir nos últimos tempos, passaram despercebidas as tímidas medidas anunciadas pelo governo para descongestionar os tribunais administrativos e fiscais. E é pena que assim tenha sido. O calamitoso estado destes tribunais exige escrutínio sério, debate alargado e, sobretudo, ação governamental.
Os números demonstram a fria face desta justiça tão fundamental para que cidadãos e empresas possam reagir contra desmandos do Estado com que não concordem ou para impugnar algum imposto que lhes seja cobrado. Segundo as Estatísticas da Direção-Geral da Política de Justiça, em 2022, o tempo médio para obter uma decisão num Tribunal de 1.ª instância nestes tribunais foi de 37 meses. Ou seja, mais de três anos. Faltará ainda contabilizar o tempo de recurso, de que o Estado (quase) nunca abdica. E aí são mais 21 meses (dados de 2021).
Portanto, teremos em média aproximadamente cinco anos para ter um litígio destes resolvido. Atualmente, a situação ainda deverá ser pior. Com as greves do pessoal administrativos dos tribunais ocorridas nos últimos meses é de crer que o trabalho nos tribunais esteja comprometido, agravando estes já de si insustentáveis tempos de resposta.
Porém, não parece que estas recentes medidas mudem este estado de coisas. Por um lado, consagrou-se a autonomia administrativa e financeira ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, dando também a este órgão de gestão serviços administrativos. Trata-se de algo fundamental para que os tribunais administrativos e fiscais possam ser geridos de forma eficiente.
É incompreensível que tenhamos estado tanto tempo a aguardar por ela, que já estava prevista na lei desde 2004. Foram só precisos 20 anos e sete governos para a concretizar. Ainda assim, é de aplaudir que finalmente tenha vindo ao mundo. Porém, como medida estrutural que é, levará alguns anos até que produza verdadeiro impacto.
Por outro lado, foi aprovado um regime excecional que permite a quem desista ou chegue a acordo em processos que corram termos nos tribunais administrativos e fiscais ter um desconto de 25% nas taxas devidas (ou a restituição equivalente, se já tiverem sido pagas). Trata-se de uma medida que se caracteriza pela ineficácia, mas também pela assunção da incapacidade do sistema.
Em primeiro lugar, não se antevê que o Estado, quer em litígios administrativos, quer em litígios fiscais, chegue a qualquer acordo com quem quer que seja. Não é nossa a nossa cultura administrativa e não creio que vá mudar.
Em segundo lugar, o desconto de 25% nas taxas de justiça devidas afigura-se irrisório face ao valor dos litígios que poderão estar em causa. Não é, portanto, um incentivo que estimule a que o processo acabe.
Em terceiro lugar, dado que não se vislumbra que haja acordo com o Estado, o que esta medida verdadeiramente incentiva é à desistência dos processos sem que haja um julgamento por um juiz. Pode aliviar ligeiramente os tribunais administrativos e fiscais, é certo. Sobretudo quando estejam em causa litígios pouco relevantes. Mas traduz-se numa ausência de justiça para quem a procurou há anos e anos, o que deixa o travo amargo da falência da resposta judicial.
Em súmula, escassas medidas que produzirão a curto prazo muito poucos efeitos práticos. Quem quiser recorrer a um tribunal administrativo e fiscal já sabe que pode ter de continuar a aguardar longos anos para ter uma decisão. Os cidadãos e as empresas que recorrem a estes tribunais merecem bem mais.