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Tribunal de Contas defende que resolução bancária e supervisão prudencial deviam estar efetivamente separadas

Tribunal de Contas critica que a autoridade de resolução em Portugal esteja na mesma instituição que tem a supervisão prudencial. O BdP rebate com os casos europeus. “A importância de assegurar a independência operacional tem por fundamento válido, o de evitar o risco de complacência (mesmo que não deliberada) da função de supervisão para com as instituições supervisionadas, bem como evitar conflitos de interesse entre as funções de resolução e as de supervisão ou outras”, diz o relatório
  • Vitor Manuel da Silva Caldeira (C), Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas intérvem na audição do Tribunal de Contas na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa na Assembleia da República, Lisboa, 16 de janeiro de 2018. MIGUEL A. LOPES/LUSA
30 Julho 2020, 00h01

O Tribunal de Contas Português (TdC) acaba de divulgar o Relatório de Auditoria – Prevenção da Resolução Bancária em Portugal. Uma das principais conclusões da auditoria do TC é que falta um modelo de governo da Autoridade Nacional de Resolução (que em Portugal está atribuída ao Banco de Portugal) que assegure a exigência legal de independência no exercício das suas funções (de planeamento e aplicação de medidas de resolução) e evite potenciais conflitos de interesse com as funções de supervisão prudencial ou outras atribuídas ao BdP.

Mas “o Banco de Portugal discorda que no quadro atual não esteja a ser assegurada a exigência legal de separação operacional da função de resolução”.

“Tal não significa, no entanto, que não se possa reconhecer que há espaço para aperfeiçoamento do quadro vigente e algumas das situações identificadas na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas (como, por exemplo, as limitações na autonomização das contas relativas à função de resolução) são efetivamente úteis para demonstrar que existem, de facto, aspetos suscetíveis de melhoria. Mas não deve confundir-se aquilo que são aspetos a melhorar com eventuais incumprimentos de requisitos legais”, admite o Banco de Portugal, cujas respostas no âmbito do exercício do contraditório têm como autores, o ex-Governador Carlos Costa, o atual vice-Governador Luís Máximo dos Santos e o Diretor do Departamento de Resolução.

O Banco de Portugal responde também que “as recomendações do Tribunal de Contas nesta matéria seriam, portanto, mais apropriadamente enquadradas numa lógica de melhoria e de boas práticas, que o Banco naturalmente tomará em devida consideração”.

Este é um debate antigo que já foi reconhecido pelo próprio Banco de Portugal, ainda durante o mandato de Carlos Costa, que defendeu uma autoridade autónoma para a resolução. Essa foi também uma das preocupações inerentes à tentativa de reforma da supervisão financeira que Mário Centeno enquanto ministro das Finanças tentou implementar, sem sucesso.

No entanto a realidade europeia evoluiu, invoca o Banco de Portugal, que cita a atual tendência dos países da União Europeia.

O Banco de Portugal diz, no exercício do contraditório, que em 17 dos 19 Estados-Membros que integram a União Bancária as competências de resolução bancária, nomeadamente no que se refere à elaboração de planos de resolução, encontram-se atribuídas à mesma autoridade que desempenha as funções de supervisão prudencial.

“Somente na Finlândia e na Eslováquia é que as competências de resolução bancária e de supervisão prudencial não se encontram atribuídas à mesma autoridade. Aliás, mesmo a Alemanha, que inicialmente desenhou o governo da sua autoridade de resolução totalmente separado, em termos institucionais, da função de supervisão prudencial, reviu a sua posição e concentra hoje ambas as funções na mesma entidade jurídica (…)”, diz o Banco de Portugal.

O TdC responde que a independência, para ser operacional (independência de facto), “não basta ser assegurada formalmente, precisa de ter eficácia prática. Ora, da auditoria conclui-se o seguinte: “A importância de assegurar a independência operacional da ANR [Autoridade Nacional de Resolução] tem por fundamento válido (como reconhece o BdP) evitar o risco de complacência (mesmo que não deliberada) da função de supervisão para com as instituições supervisionadas, bem como evitar conflitos de interesse entre as funções de resolução e as de supervisão ou outras”.

“Para o efeito, a tomada de decisões (por exemplo, aprovar planos de resolução) deve ser parte integrante dessa independência, sob pena da sua ineficácia prática. Porém, isso não se verifica visto que as decisões relativas ao exercício das funções de ANR são tomadas pelo Conselho de Administração do BdP (ou pelo seu membro responsável pelo DRE [Departamento de Resolução do Banco de Portugal] e por outros departamentos)”, defende o TdC.

O Banco de Portugal diverge do Tribunal de Contas, neste aspeto também quando diz que “da leitura do Relato de Auditoria resulta que o Tribunal de Contas expande o conceito de independência operacional até à própria competência decisória, parecendo defender que a separação operacional e de linhas hierárquicas não é suficiente se não existir uma diferenciação “jurídica” entre as entidades competentes para decidir relativamente a cada uma das matérias”. Ora, diz o regulador da banca, “este entendimento não encontra acolhimento na Diretiva da União Europeia e contraria aquela que é a inclinação absolutamente maioritária nos Estados-Membros da zona euro em termos de governo das respetivas autoridades de resolução.”

Em resumo, o Tribunal de Contas defende a independência jurídica da Autoridade de Resolução Nacional, e o Banco de Portugal considera que basta a “independência operacional”.

O TdC diz mesmo, “a independência, para ser operacional (independência de facto), não basta ser assegurada formalmente, precisa de ter eficácia prática”.

Da aplicação do conceito de independência operacional pelo Banco de Portugal resulta que “o pessoal que exercer funções confiadas à ANR, sem o poder de última decisão, está sujeito ao referido risco de complacência e a conflitos de interesse devendo, para o evitar, pertencer a uma estrutura organizacional distinta e ter linhas hierárquicas separadas do pessoal que assume as outras funções do Banco, mas os membros do Conselho de Administração não estão sujeitos a esse risco de complacência, nem a conflitos de interesse entre as funções da ANR e outras funções do Banco, não obstante tomarem as últimas decisões sobre todas as funções atribuídas ao Banco”, diz o TdC que rebate este argumento dizendo “ora, não se encontra acolhimento deste entendimento na Diretiva da União Europeia (BRRD), nem na Lei Orgânica do Banco de Portugal. A referência ao pessoal (se excluir exercício de competência decisória) constitui uma condição necessária, mas não suficiente, da exigida independência operacional”.

No exercício do contraditório, que consta do relatório, o Banco de Portugal ressalva no entanto que “a possibilidade de as autoridades de resolução nacionais serem os bancos centrais nacionais e de existir cumulação, numa mesma autoridade nacional, das funções de resolução e de supervisão prudencial encontra-se expressamente prevista na Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento (BRRD – Diretiva da Recuperação e Resolução Bancária ), sendo, portanto, inteiramente conforme com o direito da União Europeia”.

As autoridades de resolução podem ser bancos centrais nacionais [como em Portugal], ministérios competentes ou outras autoridades administrativas públicas, ou, ainda, autoridades investidas de competências administrativas públicas.

A Diretiva da Resolução europeia diz ainda que devem existir medidas estruturais adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão ou as outras funções da autoridade em causa [BdP], e as funções atribuídas às autoridades de resolução, sem prejuízo do intercâmbio de informações e das obrigações de cooperação exigidas.

Já os Estados-Membros asseguram, nomeadamente, a existência de independência operacional, no seio das autoridades competentes, dos bancos centrais nacionais, dos ministérios competentes ou de outras autoridades competentes, entre a função de resolução e as funções de supervisão ou outras da autoridade em causa.

Além disso, conclui a auditoria, “subsistem outras limitações a essa independência, incluindo insuficiências de recursos humanos, de sistemas de informação, de controlo da atividade e de autonomizaçação de contas, devido à ANR ser, na prática, um dos departamentos do BdP”.

Em suma, para o Tribunal de Contas a Autoridade de Resolução Nacional (Banco de Portugal) ainda não se encontra habilitada (dotada dos meios adequados e preparada) para exercer as suas competências de resolução bancária com independência operacional. “Para essa habilitação é importante a prevenção e redução dos riscos significativos reportados e suscetíveis de serem agravados com o impacto adverso da pandemia da Covid-19”.

As conclusões da auditoria suscitaram a formulação de um conjunto de recomendações “dirigidas às entidades responsáveis, visando melhorar procedimentos e implementar boas práticas para suprir as insuficiências reportadas”, diz a entidade.

Dívida e recursos negativos do Fundo de Resolução nacional comporta riscos para estabilidade financeira

Mais. O Tribunal de Contas constata que a resolução bancária em Portugal “comporta riscos para a estabilidade do sistema financeiro nacional, que importa prevenir e reduzir, quando, em 31 de dezembro de 2019, o Fundo de Resolução apresenta recursos próprios negativos (7.021 milhões de euros) e avultada dívida (6.233 milhões de euros, 89% dos quais devidos ao Estado), por empréstimos contraídos para financiar o apoio financeiro prestado, desde 2014, às medidas de resolução aplicadas ao BES e ao Banif”.

No contexto desta auditoria está a crise financeira internacional, surgida em 2007, que revelou deficiências graves nos mecanismos existentes para prevenir e lidar com situações de falência de instituições financeiras, com consequências lesivas da estabilidade do sistema financeiro e da sustentabilidade das finanças públicas em países da União Europeia (UE), sobretudo aqueles, como Portugal, cujos recursos públicos mais limitados levaram à necessidade de pedir apoio financeiro externo e tornaram incomportável para o Estado ter de suportar o resgate de bancos “grandes demais para falir” sem sacrificar outros objetivos essenciais.

Em 2012, a UE decidiu avançar para a União Bancária, como resposta à crise financeira. Visando suprir a incapacidade, então revelada, de prevenir e lidar com situações de falência de instituições financeiras, ao Mecanismo Único de Resolução (MUR) cabe assegurar, desde 2016, a resolução das instituições insolventes de forma ordenada e com custos mínimos para os contribuintes e para a economia real.

Para o efeito, o MUR conta, a nível europeu, com o Conselho Único de Resolução (CUR) e, a nível nacional, com a Autoridade Nacional de Resolução (ANR), cujas funções em Portugal foram atribuídas ao Banco de Portugal (BdP) e “devem ser exercidas de forma operacionalmente independente das demais funções desse Banco, designadamente as de supervisão bancária”, diz o relatório.

O Tribunal de Contas de Portugal (TCP) decidiu contribuir para uma auditoria à atividade preparatória de resolução bancária na UE sob responsabilidade das ANR, juntamente com as instituições superiores de controlo de mais sete países: Alemanha, Áustria, Espanha, Estónia, Finlândia, Holanda e Irlanda.

“O contributo do TCP para essa auditoria europeia tem por base a realização da auditoria autónoma, que não só concorre para os resultados globais pretendidos, como para prevenir e reduzir os riscos de resolução bancária para a estabilidade do sistema financeiro e para a sustentabilidade das finanças públicas nacionais”, diz o TC no preâmbulo das conclusões.

O Banco de Portugal, no exercício do contraditório diz ainda que “importa realçar que (…) a arquitetura de resolução bancária encontra-se ainda em fase de construção em toda a União Bancária. O processo de criação das condições para que todas as instituições de crédito na União Bancária possam ser objeto de medidas de resolução sem que tal coloque em risco a estabilidade financeira e garanta a proteção do erário público é um processo plurianual, que está ainda em curso, não só em Portugal, como nos restantes Estados-Membros da União Europeia”.

 

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