Poucos são os países que só viveram duas guerras desde o início do século XX. Sem menosprezar a invasão japonesa de Timor-Leste ou o ponto final de séculos de presença colonial através da força das armas (nos antípodas das negociações para a entrega de Macau à China) na fortaleza de São JoãoBaptista de Ajudá, enclave no Benim, e dos territórios de Goa, Damão e Diu, integrados na Índia, Portugal foi fustigado pela Grande Guerra e Guerra do Ultramar.

Foram dois períodos, um deles longo e o outro longuíssimo, em que milhares de portugueses morreram em terras distantes, deixando o vazio do que nunca puderam ser e fazer. Muitos outros vieram com marcas físicas e mentais que limitaram o seu potencial e foram sentidas por quem esteve ou está por perto.

Quem já viu homens chegados ao inverno da vida chorarem perante um desconhecido ao recordarem o medo de morrer a qualquer instante, emboscados numa estreita picada africana, rodeada de mato alto – tal como os avós numa trincheira lamacenta europeia, ouvindo explosões cada vez mais próximas –, fica com a noção aproximada do que uma guerra implica.

Chegado a 2020 sem inimigo militar identificável, Portugal vai entrar numa nova fase da guerra contra a Covid-19. E se o efeito da pandemia na economia é quantificável, traduzindo-se em indicadores arrepiantes apesar dos apoios públicos e da resiliência de empresários e trabalhadores, estão por apurar as sequelas nos portugueses e portuguesas que, longe de trincheiras e picadas, esperam o medo na paragem de autocarro.