A entrevista de Carlos Costa (à SIC) fez lembrar aquela vergonhosa atuação de Zeinal Bava no Parlamento, em 2015. Não sabia. Ou não se lembrava. Ou não tinha sido ele quem tratara, porque não tinha essa responsabilidade.

Então estava em causa o desmoronamento da antiga PT, agora falamos da passagem do governador do Banco de Portugal (BdP) pela Caixa Geral dos Depósitos (CGD) em pleno período de empréstimos concedidos sem garantias dignas desse nome.

Bava, um gestor premiado, nada sabia do que se passava na antiga empresa da qual era o todo-poderoso responsável executivo porque só se preocupava com ‘detalhes’. Carlos Costa, financeiro, banqueiro, sabemos agora que nem as casas compra. Deixou que fossem os ‘serviços da CGD’ a descobrirem-lhe uma oportunidade de um bom negócio pessoal: a compra de um monte no Alentejo. E veja-se a pontaria, que neste caso anda a par de desfaçatez: sem saber, acertou na compra de uma casa que era de Armando Vara, colega de administração na CGD, de quem sentiu a necessidade de salientar nunca ter sido amigo.

Em tempos, apertado pela polémica das fulgurantes mais-valias daquelas magníficas ações do BPN disponibilizadas por Oliveira e Costa, até Cavaco Silva chegou a dizer que nada percebia do mercado bolsista e dos seus nomes ‘esquisitos’: era a mulher, Maria, quem tratava lá em casa da compra e venda desses complicadíssimos produtos financeiros que sobem e descem ao livre arbítrio dos mercados.

Cito três casos mas podia relembrar mais, mesmo que não tão flagrantes, de falta de brio pessoal e predisposição para protagonizar tristes figuras em público, de que José Sócrates se tornou um ícone.

Neste caso, eu estava disposto a acreditar que nunca o atual governador do BdP, enquanto administrador da CGD, de 2004 a 2006, tivesse participado no processo de decisão para concessão de algum dos 25 créditos em causa. Era tecnicamente possível, mesmo que alguém com o estatuto político, a experiência de vida e o gabarito profissional de Carlos Costa não possa ousar dizer, pelo menos sem se rir, que alguma vez se tenha esquecido do papel que a CGD desempenha no regime. No entanto, a explicação da compra do monte alentejano a Armando Vara é a gota de água que acaba por fazer transbordar toda a minha capacidade de tentativa de compreensão.

A compra de uma casa é algo de pessoal, a não ser para os especuladores imobiliários – coisa que não é suposto que seja um administrador da CGD em rota para o Banco Central do país. Ainda para mais nem sequer era uma casa para viver a vida profissional. Era uma casa de fim de semana, segunda habitação, local de lazer para a família. A explicação é inverosímil e só demonstra vergonha pela ligação a Vara, mesmo que, neste caso, ao que se saiba, não haja nada de condenável a apontar numa transação legítima entre duas pessoas.

É com episódios destes, desculpas esfarrapadas, argumentos infantis, absoluta tentativa de desresponsabilização pessoal e política, episódios socialmente aberrantes, que cresce em Portugal o descrédito do regime e se envenena a Democracia. Se os políticos e demais decisores, da esquerda à direita, se comportam muitas vezes assim, sendo capazes de tudo dizer para evitarem assumir as consequências das suas atitudes, não podem aspirar ao respeito do país. E o pior é que o país não possa, com esta realidade, aspirar a um futuro melhor.