Quando o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou as suas ambições expansionistas, a opinião pública dividiu-se. Em geral, as declarações de Trump situaram-se entre a bravata que faz parte da sua performance política inconsequente e a reafirmação pelo presidente, que será empossado a 20 de janeiro, de que até os aliados terão de negociar com os Estados Unidos.

Quando Trump reiterou as afirmações relativas ao Canadá, defendendo a sua anexação, a compra da Gronelândia e a reocupação do Canal do Panamá, soaram alguns sinais de alerta, sustentados por uma visita do filho de Trump a um destes territórios. Afinal, estará Trump a pressionar os seus aliados tradicionais, incluindo os membros da NATO, ou existirá uma vontade real de alargar o território nacional norte-americano?

A típica imprevisibilidade do comportamento de Donald Trump torna difícil antever as consequências cabais das suas afirmações, contudo, tendo presente o seu mandato anterior e a conjuntura internacional, seria bom olhar-se com alguma seriedade para essas afirmações, incluindo para o que parece ser mera fanfarronice.

Na verdade, este novo mandato que Trump enceta, por um lado, beneficia da sua experiência anterior enquanto presidente, por outro, confronta-o com uma ordem internacional em mutação. Do seu mandato anterior permaneceram tendências na política externa norte-americana que o exercício do presidente Biden não dissipou, como, por exemplo, a tendência para o aumento da taxação das importações e de uma política protecionista relativamente à produção norte-americana.

Na ordem internacional herda dois conflitos que, para além da confrontação militar, representam feridas profundas, difíceis de sarar, no Leste da Europa e no Médio Oriente. Como pano de fundo na transição, está a competição pela manutenção do seu estatuto de superpotência frente a uma República Popular da China que cresce económica e tecnologicamente.

A história e as estórias

Quando Trump anunciou a vontade de adquirir a Gronelândia, de anexar o Canadá ou de ocupar novamente o Canal do Panamá, muitos riram dos seus excessos discursivos. Mas será que a história nos pode ajudar a perceber o que o presidente eleito da maior economia do mundo disse?

Se percorrermos a história dos Estados Unidos, observamos que desde o século XVIII e do reconhecimento da sua independência pela Grã-Bretanha, em 1783, o recém estado foi alargando o seu território, através de várias figuras do direito internacional, sendo a primeira a anexação da República do Vermont, em 1791.

Seguiram-se, logo no início do século XIX, a compra da Luisiana, a compra da Flórida e a anexação do Texas, para mencionar os territórios com maior dimensão. Na segunda metade do século XIX, os Estados Unidos mantiveram a sua tendência de alargamento do território, por exemplo, através da compra do Alasca à Rússia ou da anexação da República do Havai e a concessão por tratado de Porto Rico.

Já no século XX, por tratado com o Panamá, os Estados Unidos conseguem a jurisdição sob o território do Canal do Panamá, em 1903 (data da independência do Panamá relativamente à Colômbia), e de Guantánamo no mesmo ano. Em 1917, será a vez de comprarem à Dinamarca as ilhas Virgens, com o argumento de fazer frente a eventuais avanços da Alemanha.

Todos estes territórios são ainda hoje parte do território norte-americano, a que se juntam outros menos importantes pela sua dimensão, mas assinaláveis em termos geoestratégicos, e que em alguns casos acabaram por se tornar territórios independentes, como as Filipinas, as ilhas Marshall ou a Federação de Estados da Micronésia. O Canal do Panamá finalizou o seu processo de transição de soberania dos EUA para o Panamá em 31 de dezembro de 1999.

Através da anexação, compra ou negociação de tratado, os Estados Unidos, de facto, expandiram o seu território nacional e espaço considerado essencial para a sua segurança militar e económica. Nesse sentido, provavelmente, parte da opinião pública norte-americana não vê com grande repulsa estas afirmações de Trump.

Da história são estes os dados, das estórias, muitas se terão contado em torno destes factos, que podem ser reinterpretados e vertidos para a contemporaneidade.

Os mapas

Se olharmos para o mapa da região do Ártico, é notório que foi a aquisição do Alasca que deu o acesso dos Estados Unidos ao Ártico, tendo na atualidade uma zona económica exclusiva no Ártico. Se a esta zona acrescentarmos a zona económica exclusiva do Canadá e da Gronelândia (esta última consignada à Dinamarca), os Estados Unidos conseguiriam ter uma zona económica exclusiva tão grande como a da Rússia.

O degelo permitirá o acesso a uma zona reconhecida pela sua riqueza mineral e também permitirá a navegabilidade. Assim, a posse destes territórios poderá não só trazer mais riqueza em recursos naturais, mas também o sucesso de novas rotas marítimas, entre estas a Rota da Seda Polar.

Assim, o Ártico, mais do que relevante em termos geopolíticos é determinante em termos geoeconómicos, pois assegura as rotas mais curtas de conexão do hemisfério norte. Em termos geopolíticos, os Estados Unidos podem escudar-se na Aliança Atlântica/NATO e na cooperação com estados como a Dinamarca e o Canadá, mas em termos geoeconómicos a situação é particularmente diferente, porque cada estado tem interesse em manter o acesso restrito aos recursos existentes no seu território.

Se desviarmos a nossa atenção para o Canal do Panamá perceberemos que é aqui que o Atlântico e o Pacífico se conectam e que por aqui passam 34 a 38 navios por dia (dados oficiais), ligando o Ocidente ao Oriente, ou seja a Ásia, a América e a Europa. Como se localiza no hemisfério norte, assegura o encurtamento do transporte para os maiores portos que gerem as cadeias logísticas mais valiosas em termos de comércio internacional.

Neste sentido, a observação dos mapas permite-nos perceber que o discurso de Trump não é uma tolice do ponto de vista geoeconómico e a sua concretização seria uma situação perfeita para blindar os Estados Unidos de qualquer concorrência internacional. Claro que existem outros peões neste xadrez, mas este tipo de ameaças levará muitos estados a repensarem a forma como negoceiam e se relacionam com os Estados Unidos.

Trump e a nova Ordem Internacional

Curiosamente, se Trump concretizasse tudo o que enunciou, ou seja, se fosse bem-sucedido na anexação, compra e reocupação destes territórios, estaria a contribuir diretamente para aquilo que os Estados unidos se têm esforçado por manter nos últimos anos, ou seja, uma Ordem Internacional saída da Segunda Guerra Mundial em termos institucionais, e moldada pelo fim da Guerra Fria, que tornou os Estados Unidos na superpotência mundial.

Uma política externa norte-americana com estes objetivos feriria de morte o multilateralismo, as solidariedades dos países soberanos ocidentais e representaria o regresso a um status quo ante longínquo. Parece difícil os Estados Unidos enveredarem por esse caminho, mas nunca será impossível que o usem para pressionar a Europa a moldar-se melhor aos seus objetivos de manutenção de uma Ordem Internacional por si liderada.