A forma como as autoridades chinesas estão a reagir face às manifestações em Hong Kong tem sido objeto de crítica no Ocidente. Em causa está a diminuição de autonomia que esta Região Administrativa Especial beneficia desde que a República Popular da China reassumiu a administração do território. O Ocidente, tal como uma parte considerável da população de Hong Kong, não concorda com a política que Pequim tem vindo a exercer no território e que não se enquadra no modelo “um país, dois sistemas”. Uma realidade que também já começa a ser vivenciada na outra Região Administrativa Especial, Macau, onde, por exemplo, as autoridades proibiram uma concentração de apoio aos manifestantes de Hong Kong ou uma vigília para recordar as vítimas do massacre na Praça Tiananmen.

Xi Jinping não aceita este tipo de manifestações, pois considera-as fruto da ingerência estrangeira na China e, como tal, ordena aos seus comissários em Hong Kong que as reprimam violentamente e, ao mesmo tempo, exige a aprovação de legislação visando o enfraquecimento da autonomia. Por isso, o Congresso Nacional do Povo apoiou, por larga maioria, uma nova lei de segurança para a região.

Os EUA, que detêm interesses avultados em Hong Kong, foram lestos a reagir a este centralismo de Pequim e Trump avançou a intenção de retaliar sobre a China. Uma ameaça que poderá vir a colocar em causa não apenas o acordo comercial celebrado entre os dois países, mas também a manutenção do estatuto de tratamento especial de que Hong Kong beneficia por parte dos EUA e a sua condição de centro financeiro internacional. Uma ameaça que, em vez de beneficiar Hong Kong na sua oposição à política centralista de Xi Jinping, poderá vir a constituir um duro revés para o território, reduzindo-lhe a capacidade de lutar pela autonomia.

Só que, enquanto condena a forma como a China está a reprimir as manifestações em Hong Kong, Donald Trump não hesita em recorrer a uma estratégia semelhante no seu país. De facto, as imagens que mostram como um agente da polícia do Minnesota causou a morte de um afro-americano, George Floyd, desencadeou um clima de revolta que alastrou à quase totalidade dos 50 Estados do país. Os protestos exigiram que vários Estados decretassem o recolher obrigatório, pois nem todos os manifestantes se mostram adeptos da resistência civil não-violenta pregada por Martin Luther King e chegam ao ponto de desafiar as forças da ordem e queimar carros da polícia.

Face a este cenário de desordem, a reação de Trump não se distanciou muito daquela que é – e será – a atitude do líder chinês. Por isso apelou a que os cidadãos deixassem a polícia de Nova Iorque fazer o seu trabalho.

Por sorte do Ocidente e infortúnio de Hong Kong, Trump e Xi Jinping lideram regimes diferentes. Os EUA são um Estado de Direito que, na atualidade, dispõe de uma liderança populista. Na China vigora um populismo totalitário liderado pelo Partido Comunista, a falsa vanguarda do povo.

Na Terra do Tio Sam, por muito que desagrade a Trump, a ação presidencial não depende apenas da sua vontade. Os Pais Fundadores souberam acautelar o sistema ao criarem um sistema de controlo recíproco de todos os órgãos de soberania. Chama-se “checks and balances” e, infelizmente, não tem tradução prática no país de Xi Jinping, sem culpa do mandarim ou dos mais de 80 idiomas aí falados.