Sim, o ‘therealdonaldtrump’ (como ele se auto-intitula no Twitter) diria certamente que o título desta coluna é fake news! Com alguma razão apenas. O presidente do Estados Unidos pode não ter estado fisicamente na capital portuguesa, mas a sua sombra pairou sobre a zona oriental da cidade esta semana.

A Web Summit pode ser criticada por muitas coisas, como a organização de jantaradas no Panteão Nacional ou a opacidade nos acordos com o Estado português, mas não pode ser acusada de fugir à polémica. A exceção que confirma a regra foi o ‘desconvite’ a Marine Le Pen em 2018, provavelmente uma decisão comercial sob pressão política.

Na edição deste ano, a organização liderada por Paddy Cosgrave pôs logo as cartas em cima da mesa. Em vídeochamada a partir do exílio na Rússia, vimos e ouvimos Edward Snowden, whistleblower para uns, traidor para outros. O ex-analista da CIA e da NSA não é um problema criado por ou exclusivo de Trump, mas o republicano foi sempre claro: Snowden é um espião que causou grandes danos aos EUA e deveria ser executado.

Ainda na sessão de abertura, mais um ‘inimigo’ da Casa Branca: o presidente da Huawei, a gigante chinesa que Trump tem acusado de espionagem. Demonstrando a arte da diplomacia chinesa, Guo Ping não falou sobre a tecno-guerra entre os dois países. Em vez disso, sublinhou que o 5G, tecnologia na qual a Huawei está a milhas da concorrência, vai ser o próximo grande salto e está a chegar mais depressa que o esperado.

O tema ficou na agenda até ao final da cimeira. Trump não esteve presente, mas enviou o seu Chief Technology Officer (CTO of the USA, numa nomenclatura que mostra que Trump vê o país como o seu negócio e poderá um dia até mudar o seu cargo para CEO). A mensagem que Michael Kratsios trazia de Washington para os europeus era simples: amigos, não façam negócios com o meu inimigo.

Foi também no dia final do evento que brilhou a estrela de Margrethe Vestager, que a partir da pasta da Concorrência em Bruxelas tem multado as gigantes tecnológicas norte-americanas. Trump disse em junho que de todas as pessoas que conhece, Verstager é a que mais odeia os Estados Unidos. A resposta da dinamarquesa foi tipicamente hábil: Trump só deve conhecer pessoas que amam muito os EUA.

Pelo meio, dois painéis fascinantes sobre o presidente americano. Numa discussão sobre o desempenho do magnata na Casa Branca, vieram ao de cima dois argumentos que demonstram a polarização da política nos Estados Unidos. De um lado, o desempenho da economia como caso de sucesso e, do outro, as práticas que culminaram no processo de impeachment.

O outro painel foi direto à pergunta: irá Trump ser reeleito? A estrela da discussão acabou por ser a ex-responsável da Cambridge Analytica Brittany Kaiser, fundadora da Own Your Data Foundation. Se a campanha de Trump nos convencer a ficar em casa ele vai ganhar, porque o maior problema é que há muitas pessoas que ainda não decidiram se irão votar, explicou, antes de acusar Marc Zuckerberg de estar a prestar assistência à campanha de Trump ao não impor limites a mensagens políticas no Facebook.

A primeira edição da Web Summit em Lisboa coincidiu com a eleição de Trump. A quinta vai começar no dia em que será reeleito ou rejeitado pelo povo americano.

A cimeira que acabou ontem veio mostrar de forma clara que vamos passar os próximos 360 dias a discutir e a obcecar sobre essa votação. Não há como fugir.