Francesca Albanese é relatora especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados desde 1967, com um trabalho meritório e corajoso na denúncia do genocídio que está a ser praticado, a todo o tempo, no Médio Oriente, pelo governo de Benjamin Netanyahu.

Porém, os seus relatórios e intervenções públicas não se ficam pelo enunciado das barbaridades cometidas. Essas passam todos os dias nas imagens das televisões e na comunicação social, escrita e falada, do Planeta. Só basta os adultos ou crianças se abeirarem de locais de distribuição de água ou de comida para serem “fuzilados” em grande número ou ainda a igrejas, hospitais, escolas, jardins… Em Gaza, a morte é o mais certo. Matar tornou-se banal e até incentivado.

Quais os argumentos de Israel que “levam” os países do Ocidente, no mínimo, a pactuar com estes crimes de guerra? Os “tiros” de morte são justificados pelo governo de Israel na caça aos elementos do Hamas. Será que os bebés de horas, dias ou meses são apoiantes do Hamas?!

Esta justificação não entra na cabeça de ninguém, a não ser dos Governos dos EUA e de muitos da União Europeia que continuam a financiar Netanyahu, a fornecer-lhe armas para irem matando as crianças palestinianas. Certamente, devem estar convencidos de que, com a extinção do povo palestiniano, promovem uma limpeza étnica a bem de um Mundo mais puro! Chama-se a isto colaborar no extermínio de um povo.

A questão é que Francesca Albanese foi mais longe. Nos seus relatórios e intervenções identifica e desenvolve, de forma fundamentada, o que as empresas, os políticos, os países amigos de Israel e outras instituições lucram com o genocídio praticado. Esta a denúncia que causa mossa aos países amigos de Netanyahu, às empresas e demais instituições colaborantes, pois os seus nomes ficam impressos nos relatórios e a história um dia não perdoa, regista a mancha.

O relatório de Francesca Albanese, divulgado em princípios de Julho2025, “Da economia de ocupação para a economia do genocídio” gerou bastante controvérsia pelo conteúdo e organização por temas/sectores, onde, em cada tema/sector, se referem vários agentes que retiram elevada lucratividade na colaboração do genocídio praticado.

Os principais temas referidos abrangem fabricantes de armamento, grupos tecnológicos, construtoras, bancos e instituições como universidades e até organizações de turismo como a Booking Holdings e Airbnb.

Mas outras grandes empresas são mencionadas, a IBM, Microsoft, Alphabet, Amazon, Caterpillar, grupo Volvo, Hyundai, muitas empresas fabricantes de armamento com destaque para as dos EUA, Israel e Europa, bem assim as de fornecimento de energia.  A leitura do relatório fornece informação específica e detalha as fontes. É esta denúncia que Trump não perdoa.

Incluíram-se, neste artigo de opinião. duas partes completas do relatório de 39 páginas, o resumo e as recomendações (tradução brasileira), para ficarmos com uma ideia mais fiel do mesmo.

Resumo

“Este relatório investiga a maquinaria corporativa que sustenta o projecto colonial de Israel de deslocamento e substituição de palestinos no território ocupado. Enquanto os líderes políticos e os governos se esquivam de suas obrigações, muitas entidades corporativas lucraram com a economia da ocupação ilegal, apartheid e, agora genocídio de Israel.

A cumplicidade exposta por este relatório é apenas a ponta do iceberg; acabar com isso não acontecerá sem responsabilizar o sector privado, incluindo os seus executivos. O direito internacional reconhece vários graus de responsabilidade – cada um exigindo escrutínio e prestação de contas, particularmente, neste caso, onde a autodeterminação e a própria existência do povo estão em jogo. Este é um passo necessário para acabar com o genocídio e desmantelar o sistema global que o permitiu”.

Recomendações dirigidas a Entidades

“Estados-Membros:

(a) Impor sanções e um embargo total de armas a Israel, incluindo todos os acordos existentes e itens de uso duplo, como tecnologia e maquinaria pesada civil;

(b) Suspender/impedir todos os acordos comerciais e relações de investimento, – e impor sanções, incluindo congelamento de bens, a entidades e indivíduos envolvidos em atividades que possam colocar em risco os palestinos;

(c) Impor a responsabilização, garantindo que as entidades corporativas enfrentem consequências legais por seu envolvimento em graves violações do direito internacional.

Entidades corporativas:

(a) Cessar imediatamente todas as atividades comerciais e encerrar relações diretamente relacionadas, contribuindo e causando violações de direitos humanos e crimes internacionais contra o povo palestino, de acordo com as responsabilidades corporativas internacionais e a lei de autodeterminação;

(b) Pagar reparações ao povo palestino, inclusive na forma de um imposto sobre a riqueza do apartheid nos moldes da África do Sul pós-apartheid.

Insta o Tribunal Penal Internacional e os judiciários nacionais a investigar e processar executivos corporativos e/ou entidades corporativas por sua participação na prática de crimes internacionais e lavagem do produto desses crimes.

Nações Unidas:

(a) Cumprir o Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça de 2024;

(b) Incluir todas as entidades envolvidas na ocupação ilegal israelense no banco de dados das Nações Unidas (acessível no site do ACNUDH).

c) Exorta os sindicatos, advogados, sociedade civil e cidadãos comuns a pressionarem por boicotes, desinvestimentos, sanções, justiça para a Palestina e responsabilização nos níveis internacional e doméstico; juntos podemos acabar com esses crimes indescritíveis.

Este relatório foi escrito à beira de uma transformação profunda e tumultuada. As atrocidades testemunhadas globalmente exigem responsabilidade e justiça urgentes, o que exige ações diplomáticas, económicas e legais contra aqueles que mantiveram e lucraram com uma economia de ocupação que se tornou genocida. O que vem a seguir, depende de todos nós”.

As sanções

Os Estados Unidos, através de Marco Rubio, anunciaram no dia 9 de Julho2025 sanções contra Francesca Albanese, no sentido de a fazer calar e a pressionar a sua destituição do cargo de Relatora Especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para além da campanha de difamação permanente da sua pessoa.

A ONU insta os EUA a reverter as sanções impostas e o porta-voz do Secretariado Geral, Stephane Dujarric, considera que a atitude dos EUA abriu um precedente perigoso ao trabalho independente e importante, desempenhado pelos relatores especiais.

Movimento a nível mundial

Está em curso uma petição a nível mundial [Assine agora: Nobel da Paz para Francesca Albanese] que, neste domingo (27/07), já se aproxima do milhão de assinaturas que propõe Francesca Albanese e os médicos a trabalhar em Gaza ao prémio nobel da paz.

Sem dúvida, todos são merecedores desse galardão pelo enorme trabalho que vêm fazendo, com riscos da própria vida, como é o caso de Francesca Albanese, casada e mãe de filhos, ameaçada de várias formas até na sua honra e a trabalhar pro bono.

A petição em curso, independente do resultado que obtiver, tem um significado marcante. Quem a assinar mostra a sua repulsa pelos morticínios que todos os dias ocorrem nos territórios da Nação Palestina e que é urgente estancar.