Ramsés II ganhou o epíteto de “o Grande” não apenas por façanhas militares ou construções monumentais, mas por um ousado ato de edição histórica, um verdadeiro mestre da propaganda real. Por todo o Egito, mandou apagar os cartuchos de faraós anteriores e gravar o seu próprio, anexando a glória alheia como se sempre lhe tivesse pertencido. Templos, obeliscos e estátuas que haviam resistido por gerações foram transformados em instrumentos de sua imortalidade pessoal.
Donald Trump, em seu segundo ato na cena mundial, reproduz o mesmo instinto — não em hieróglifos, mas em marcas e rebatismos. Seja ao rebatizar parte do Caribe como “Golfo da América”, construir uma nova ala na Casa Branca ou render-se ao encômio de ver o Corredor de Zangezur como “Trump Route for International Peace and Prosperity” (TRIPP), a mensagem é clara: o edifício existe para glorificar o governante.
Trump – sem propor algo novo – não se esquiva em desorganizar uma ordem internacional que demorou décadas para ser construída. Em seu afã de “America Only”, num jogo de soma zero, não mede esforços para reduzir significativamente qualquer influência da Rússia, isolar diplomática e logisticamente o Irão, desestabilizar a posição da China nas cadeias globais de comércio e forçar a Europa a uma vassalagem jamais vista.
A cruzada tarifária é mais um capítulo desse padrão de imposição imperial. A recente tarifa de 50% contra o Brasil (já vigente) e Índia não é uma simples medida comercial — é o equivalente econômico dos impostos provinciais de Roma, criados não apenas para encher os cofres, mas para lembrar as províncias do seu lugar. No Império Romano, o tributo sustentava fóruns e legiões; na América de Trump, as tarifas sustentam o teatro político do “America Only”, obrigando parceiros a pagar pela entrada e a exibir sua subordinação.
Mas tais projetos de vaidade carregam um risco antigo. As raspagens de Ramsés não enganaram a eternidade, e as extrações fiscais de Roma alimentaram o descontentamento que corroeu seu núcleo imperial. As iniciativas de Trump andam de mãos dadas com o desmonte do sistema internacional do pós-1945 — uma rede de instituições criada para compartilhar a governança, não para monopolizá-la. Ao derrubar esses pilares multilaterais e substituí-los por estruturas que ostentam seu próprio selo, Trump, “o Grande”, está desgastando os alicerces da ordem que amplificou a influência dos Estados Unidos, tornando o mundo muito mais instável.
A história sobre governantes que confundem engrandecimento pessoal com verdadeiro estadismo raramente é generosa. Os monumentos podem levar seus nomes, mas as ruínas também lhes pertencerão. E estas tendem a ser enormes.