Entre as múltiplas obsessões de Trump não podiam faltar as Terras Raras. Em local que “cheire” a Terras Raras, lá aparece de dedo em riste porque, na sua opinião, os EUA correm riscos, se as Terras Raras escaparem da sua alçada. E, sendo assim, têm de ser nossas, diz, “a bem ou a mal”!

É assim, na Gronelândia, Canadá, Ucrânia. … O que nos vale, parece, em nenhuma das Ilhas dos Açores há cheiro a Terras Raras ou, então, o cheiro sulfuroso vulcânico encobre. Mas quem sabe, se um dia destes não aparece por lá, “em visita de cortesia”, J.D. Vance e a mulher! (aeroportos para o avião “presidencial” não faltam).

Desconhecia-se este pânico enorme, tão assanhado, de Trump pelas Terras Raras chinesas! Que descontrolo, ilusão e desconhecimento. A luta pela hegemonia global perturba-lhe o pensamento.

A aposta da China

1. A China há muitos anos fez as suas escolhas estratégicas e uma foi, sem dúvida, a aposta nas Terras Raras.

Não nos podemos esquecer da célebre frase de Deng Xiaoping (1992): “o Médio Oriente tem petróleo, nós temos terras raras”. E esta frase, na realidade, tornou-se um desígnio: a China preparou-se. Investiu muito nas frentes mais diversas: equipamentos para mineração, investigação, tecnologia, formação, patentes, redes de distribuição, constituição e dinamização de empresas altamente competitivas e especializadas e acordos de cooperação com empresas estrangeiras e países diversos.

Segundo a informação disponível, este processo teve os seus acidentes de percurso, não foi construído só de sucessos. Mas, a China acabou por consolidar um caminho invejável, com um registo de ganhos acumulados em dinâmicas inovadoras, atingindo e permanecendo no comando deste cluster de actividades, a nível mundial, de forma firme e difícil de destronar.

Pequim com as suas múltiplas patentes e domínio das tecnologias goza de um quase monopólio mundial, acabando por transformar cerca de 90 por cento das Terras Raras, quando só dispõe de 55% a 60% dos recursos mundiais.

Assim, não é fácil a empresas não chinesas, a não ser em estreita cooperação, explorarem a parte da industrialização das Terras Raras, ou seja, a extracção do minério e a sua transformação em concentrados e respectivo refinamento.

Muitas empresas estrangeiras têm acordos de longa duração com as suas congéneres da China para a transformação e refinação das Terras Raras, ou seja, para transformar estes minerais estratégicos em peças a serem aplicadas nos produtos finais como semicondutores, aeroespacial, equipamentos militares, automóvel eléctrico, equipamentos para a energia solar e eólica…, o que lhe acrescenta ainda mais poder em toda esta longa fileira de produção e mercados.

Mais uma vez anoto: estes 17 minerais estratégicos, conhecidos por Terras Raras, são mais ou menos abundantes no subsolo do Planeta Terra. A questão-chave do cluster reside no domínio das tecnologias das diferentes fases do processo de fabrico. E é aí que se concentra o poderio económico de Pequim.

Existência de Terras Raras no planeta

2. Os Serviços Geológicos dos Estados Unidos (US Geological Survey) estimam que, no ano de 2024, as reservas mundiais de Pedras Raras andariam à volta de 110 milhões de toneladas, sendo os 12 países mais importantes e, por esta ordem, a China, Brasil, India, Austrália, Rússia, Vietname, EUA, Gronelândia, Tanzânia, África do Sul, Canadá e Tailândia.

Curioso verificar que os 4 países de origem dos BRICS constam desta lista e a África do Sul que veio a integrar o grupo um pouco depois também. E até o Vietname que tem mostrado interesse em aliar-se e marcou presença na última Cimeira (Kazan/Rússia, Novembro2024) do grupo dos países BRICS+ detém uma posição significativa nas reservas mundiais. O que significa que a China anda bem acompanhada neste domínio.

Posição da Ucrânia

3. A Ucrânia apenas terá 5% das reservas das Terras Raras mundiais. Não consta da lista dos 12 países principais.

Cerca de 50% desses minérios estão em territórios ocupados pela Federação da Rússia, nomeadamente em Donbass e Crimeia, pelo que vários especialistas questionam a pressão de Trump, quanto ao acordo dos minerais das Terras Raras, ainda mais sabendo-se, dizem esses mesmos estudiosos, que as últimas estimativas das reservas são reportadas ao período soviético, podendo haver margens de erro significativas de avaliação, pois, entretanto, as metodologias modificaram-se.

A acrescentar, refira-se, que a Ucrânia não tem qualquer mina em exploração, nem experiência de mineração, nem na fileira. Tudo, no ponto zero, agravado com falta de mão de obra com um mínimo de experiência, um grande obstáculo para investimentos neste domínio.

No entanto, a Rússia terá mostrado alguma abertura de cooperação com os EUA e, como aqui já se escreveu, poderá recorrer a algum apoio técnico da China, certamente em condições bem negociadas, pois como sabemos Pequim vedou completamente a exportação de tecnologias nestes domínios.

A complexidade é grande, tanto mais quando nada está definido em termos da guerra. Assim sendo, este acordo das Terras Raras parece, por enquanto, um negócio prematuro e absurdo. Para além disso, mesmo que este acordo avance já não terá qualquer efeito no “reinado Trump”, dado o período longo, que uma exploração mineira exige a arrancar.

Reacção da China às tarifas de Trump

A China tem respondido quase de imediato às sucessivas alterações das taxas sobre as importações dos EUA, aplicando condições similares e condicionando as exportações de 7 metais das Terras Raras o que vai complicar a produção de semicondutores nos EUA se perdurar além de dois meses. Pequim impôs sanções a algumas empresas norte-americanas e uma acção judicial na OMC.

A comunicação social

O futuro está na China, escreve o colunista Thomas Friedman, do New York Times, laureado com três prémios Pulitzer. Diz este jornalista: “enquanto Donald Trump se preocupa em saber em que equipa jogam as pessoas transgénero, os chineses transformam as suas fábricas com a ajuda da IA”.

A revista The Economist escreveu: “How America could contribute to China’s growth”, ou seja, como os EUA poderão devolver à China a sua grandeza de antes, em referência ao slogan da campanha de Donald Trump. O The Economist anotava ainda que as tarifas do presidente Trump vão esmagar os seus rivais ocidentais, dando o domínio aos chineses dos mercados da viatura eléctrica e drones.

O New York Times, por seu lado, sublinhava que a empresa Huawei instalou 100.000 locais de recarga rápida para os veículos eléctricos chineses, em 2024, enquanto os EUA apenas conseguiram instalar 214 novos, no mesmo período, com 7,5 mil milhões de dólares.

Muitos outros órgãos de informação, em todo o mundo, se referem às tarifas Trump, apontando para uma recessão económica profunda, se não houver recuos.

Até a Directora Geral do FMI, Kristalina Georgieva, demonstrou preocupação em relação às “tarifas de reciprocidade”, falando de “riscos significativos” para a economia mundial.

Mas, se alguma conclusão não abusiva se poderá retirar, com riscos embora, é que o maior importador mundial (EUA) está em perda contra o maior exportador (China), nesta luta pela hegemonia global, porque Pequim deu um salto tecnologicamente gigante, levando estudiosos como Sophie Boisseau du Rocher e Christian Lechervy a afirmarem (2025) que “as multinacionais virão para o Leste Asiático para aprender, não para ensinar ou transferir“.

De facto, em curso, está a substituição do modelo ocidental de desenvolvimento por um novo, centrado na Ásia.