Como dizem as crianças: “quem diz é quem é”! Apontar o dedo a Trump e rotulá-lo de “xenófobo”, “misógino” ou “racista” é tão ou mais indelicado quanto os próprios factos que alegadamente sustentam esses insultos.
Com efeito, o “xenófobo Trump” tem origens escocesas e casou primeiro com uma checa e mais tarde com uma eslovena. O hipotético “ódio”, “desprezo” e “preconceito” que o futuro Presidente dos EUA manifesta contra as mulheres levou-o a patrocinar e promover alguns dos mais mediáticos concursos de formosura feminina. A competição da “Miss Universo” distinguiu, até, por várias vezes, muitas beldades negras. Quando sabemos que a própria Miss Universo 2002, a russa Oksana Fedorova, confidenciou que os media do ocidente a assediaram para facultar informação comprometedora sobre Trump, devíamos ser capazes de conseguir ver para além do “boneco” que foi criado pela própria “lógica da corrida à presidência” e, sobretudo, pela comunicação social que sujeitou o milionário a uma das mais violentas campanhas e ataques pessoais nunca antes vistos nos EUA.
Mais importante do que saber se Donald criticou a forma física de uma das ex-misses, parece-nos pertinente atentar sobre as implicações que a agenda política do empresário que acabou por reunir os votos de 42% das mulheres americanas (correspondendo a mais de metade das mulheres brancas) possa acarretar para Portugal. Vamos, por isso, colocar de parte as medidas internas dos EUA, porque estas só aos americanos dizem respeito. Assim, mais do que o fim do “Obamacare”, interessa-nos o futuro da ADSE e o funcionamento do sistema de saúde português; mais do que as reformas políticas no Congresso e a corrupção nos EUA, queremos encontrar a solução para acabar com esta em Portugal; mais do que a política das armas nos EUA, estamos interessados em perceber a (in)eficácia da atuação da GNR. Urge, isso sim, entender como fica a “árvore portuguesa” no meio da “floresta mundial”.
Pode não estar totalmente correta a ilação que Trump faz do conceito de “aquecimento global” – cuja criação atribui a um “truque” dos chineses para comprometer a competitividade da indústria manufatureira americana –, mas a invocada medida de cancelar milhões de dólares em contribuições para programas da ONU para a luta contra as alterações climáticas, em pouco ou nada “aquecerá” tão cedo o ambiente português.
No que respeita às políticas de imigração, e duvidando que a ideia da construção do muro no México avance (ao contrário do que acontece já na púdica Europa de Calais), Trump não defende nada de muito diferente do que faz o SEF por cá: imigrantes ilegais são deportados em total cumprimento da lei, “sem que dessa situação se tenha que ter dó ou piedade”.
Quanto à questão da NATO, temos de deixar a hipocrisia de lado e compreender que os EUA têm motivos para se sentirem mal com o facto de suportarem os enormes custos de uma organização para a qual muitos dos países membros não cumprem com o pagamento das quotas que lhes são devidas (Portugal incluído). Para além disso, a realidade parece demonstrar que a NATO hoje pouco ou nada faz para os fins para que foi criada. O que Trump quer, sobretudo, é concentrar esforços para acabar com o terrorismo. Não é isso que todos desejamos? Poderão as Lages e Portugal reassumir o papel geoestratégico de outrora, tirando daí dividendos?
No que respeita à intimação de Trump colocar um fim a vários acordos de livre comércio numa legítima tentativa de promover os níveis de emprego nos EUA – e visando estes, sobretudo, o México, o Canadá e a China –, Portugal pode ter aqui uma oportunidade singular para se promover. Atualmente, os EUA são o quinto país de destino das exportações portuguesas, o que faz deste país um importante mercado – sobretudo quando a valorização do dólar face ao euro torna os produtos portugueses mais atrativos em termos de preço. Parece, assim, que estão criadas condições para que os têxteis do Ave e outras indústrias portuguesas seduzam os EUA: já foi feito algum esforço de bastidores para um contacto informal a nível da promoção da nossa economia com a estrutura do Presidente Trump?
Apesar da imprevisibilidade das políticas externas de Trump, afinal nem tudo parece ser mau para Portugal. Não sendo um profissional da política, Trump tem uma licenciatura “verdadeira” e tem créditos firmados no mundo das empresas. O discurso sereno da vitória já começou a levantar a franja de Trump, revelando um político diferente daquele que nos foi dado a conhecer durante a campanha onde corporizou bem a máxima “fake it ‘til you make it”.
É chegado o momento de dar o “benefício da dúvida” ao “candidato eleito” e não criar cartazes institucionais (pagos por todos os portugueses e, para mais, mal escritos) que em nada dignificam Portugal, comprometem oportunidades comerciais, implicam as nossas relações diplomáticas com o mundo e, apesar de serem de papel, são tão pesados e divisórios como um muro de pedra. Em vez de tomar as dores dos outros, vamos mas é aproveitar para criar oportunidades para os portugueses.