“Isto é, factualmente, o maior aumento de impostos para o povo americano desde 1968.” A frase, dita com convicção por um congressista democrata esta semana em Washington, resume com precisão o paradoxo da política económica de Donald Trump: um presidente republicano que impõe tarifas aduaneiras — não para proteger os contribuintes, mas para os penalizar em nome de uma cruzada comercial travestida de patriotismo económico.

Se há dúvidas sobre os seus efeitos, basta olhar para as bolsas e para as ruas de várias cidades americanas, onde começam a surgir protestos e a crescer o descontentamento social. O protecionismo regressa pela porta grande, e o mundo volta a girar em torno de blocos, esferas de influência e ameaças estratégicas.

Trump anunciou tarifas de 20% sobre produtos importados da União Europeia, atingindo cerca de 70% das exportações europeias para os EUA. Do setor automóvel ao agroalimentar, passando pela indústria tecnológica, poucas áreas escapam. Oficialmente, trata-se de uma tentativa de “reequilibrar” as trocas comerciais. Na prática, é uma forma de chantagem estratégica sobre uma Europa que ensaia — timidamente — passos de autonomia.

Como já o fez anteriormente, Trump utiliza as tarifas como instrumento de pressão negocial, não apenas para resolver desequilíbrios comerciais, mas para forçar cedências noutros domínios: o financiamento da NATO, o mercado de defesa europeu, a reorganização das cadeias de valor.

A resposta dos mercados foi imediata: o pânico. O índice S&P 500 caiu quase 11% em dois dias, apagando cerca de seis biliões de dólares em capitalização bolsista. A JPMorgan, uma das vozes mais respeitadas de Wall Street, anunciou que, se as tarifas se mantiverem, os Estados Unidos entrarão em recessão já em 2025. Do lado europeu, o governador do Banco Central da Grécia, Yannis Stournaras, alertou para a possibilidade de estas medidas retirarem entre 0,5 a 1 ponto percentual ao crescimento da zona euro. A confiança dos investidores foi abalada. A retórica protecionista deu lugar a um nervosismo global crescente.

A resposta europeia está a ser construída. A Comissão Europeia, pela voz de Ursula von der Leyen, classificou as tarifas como “um ataque direto à economia mundial” e anunciou a preparação de contramedidas. A União Europeia admite impor tarifas sobre produtos norte-americanos num valor equivalente a 28 mil milhões de dólares — abrangendo aço, alumínio e bens de consumo —, e pondera até um boicote informal a novos investimentos nos EUA. Emmanuel Macron foi mais longe e apelou às principais empresas europeias para suspenderem temporariamente as suas operações transatlânticas, como sinal de firmeza. A palavra-chave é “unidade”, mas essa unidade ainda está longe de ser garantida. E neste momento a Europa tem de pôr gelo nos pulsos.

A União Europeia dispõe agora de um novo instrumento à sua disposição: o Instrumento Anti-Coerção (ACI). Aprovado em 2023, o ACI foi concebido para responder a este tipo de situações. Permite que a Comissão Europeia, por maioria qualificada e sem necessidade de unanimidade, determine se um país terceiro está a utilizar medidas económicas com o intuito de forçar decisões políticas na UE ou nos seus Estados-membros. Se tal se confirmar, abre-se caminho para represálias coordenadas — tarifas, restrições de acesso ao mercado europeu, bloqueio de investimentos.

O exemplo que esteve na origem da criação deste instrumento foi a pressão da China sobre a Lituânia, em 2021, após a abertura de um gabinete de representação de Taiwan em Vilnius. A resposta europeia, tímida e descoordenada à época, demonstrou a necessidade urgente de um mecanismo de defesa económica.

Hoje, o desafio é maior. As tarifas de Trump não visam apenas o comércio; são parte de uma estratégia para forçar a Europa a comprar mais aos Estados Unidos, a travar o seu projeto de autonomia industrial e a ceder, mais uma vez, à lógica de um mundo unipolar. A questão do rearmamento europeu é central neste xadrez. Trump sabe que a Europa se prepara para num futuro não muito longínquo reforçar a sua indústria de defesa, investindo em capacidade própria e reduzindo a dependência dos fornecedores americanos. Para o complexo militar-industrial norte-americano, essa ambição representa uma ameaça direta. As tarifas surgem, assim, como instrumento de chantagem para travar esse processo.

A Europa encontra-se, por isso, perante uma escolha histórica: ceder, como tantas vezes no passado, ou afirmar-se como uma potência geopolítica adulta. Há quem defenda um “all in” — uma resposta rápida e musculada. Outros alertam para os riscos de uma guerra comercial prolongada, com efeitos colaterais difíceis de calcular. A reunião agendada esta semana entre os Estados-membros será determinante. A linha comum que emergir de Bruxelas determinará se a União Europeia quer continuar a ser um ator reativo ou tornar-se, enfim, um sujeito com voz própria no sistema internacional.

Entretanto, nos Estados Unidos, cresce o mal-estar. O ex-presidente Barack Obama, num discurso a 3 de abril, apelou aos americanos para resistirem à “irresponsabilidade estratégica” da atual administração. A popularidade de Trump caiu 18 pontos em poucos dias. E, pela primeira vez desde 2018, assistem-se a protestos significativos contra as medidas económicas de um presidente republicano. Porque, ao contrário do que muitos pensam, as tarifas não são pagas pelos “inimigos externos” — são impostos indiretos pagos pelos consumidores. Quando os preços sobem e o emprego vacila, a retórica patriótica já não basta.

O mundo está a mudar. A ordem económica global, baseada em regras multilaterais, está sob ataque. O protecionismo de Trump é mais do que uma política económica — é o sintoma de um tempo novo: de um mundo multipolar, mais incerto, mais disputado. A Europa tem de responder com inteligência, coesão e ambição. Não para replicar a agressividade americana, mas para proteger os seus interesses e afirmar os seus valores. A era da ingenuidade terminou. O tempo da maturidade estratégica começa agora.