Nas últimas semanas, o mundo assistiu à escalada da guerra comercial, com tarifas, retaliações, contra-retaliações, pânico a chegar à dívida, montanha-russa vertiginosa dos mercados financeiros a acomodar o impacto de uma recessão global, e anúncio de tréguas a colocar o mundo em pausa no conflito tarifário e a trazer à memória que estamos perante uma espécie de Nero pós-moderno, acelerando o caos, onde arrogância e soberba precedem a ruína.
O ‘Trumpocalypse’ soma já uma série de episódios, numa analogia com os profetizados no apocalipse que culminarão no fim do mundo, ou seja, o fim da vida terrestre como é atualmente, neste caso, no fim da ordem mundial baseada no respeito aos direitos humanos, economias abertas, regulamentação de boas práticas e fronteiras estabelecidas.
Muitos já antecipavam que a vitória de Trump encaminhava o mundo para um epílogo trágico. Senão vejamos.
Por Decreto, as primeiras ordens executivas de Donald Trump visaram impedir os estados de continuarem a controlar as emissões de gases com efeito de estufa ou a impor medidas anti-poluição. As petrolíferas agradecem. Uma medida que representa um retrocesso na luta conta o aquecimento global e que as petrolíferas agradecem com o “drill, baby, drill” de Trump a colocar milhões de pessoas em risco de eventos climáticos.
Já em março anunciou a revogação de várias regulamentações para controlar a poluição do ar e da água, bem como legislação usada para classificar os gases de efeito de estufa como poluentes. O Presidente norte-americano opta agora por catapultar o planeta para um cenário onde sentirá com mais intensidade e regularidade os impactos de fenómenos climáticos extremos, do aquecimento, tempestades, fome e deslocação de populações em diversas partes do mundo.
Rompeu também com a ciência e a saúde ao anunciar, no seu primeiro dia de mandato, que iniciou o processo de retirada dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS), invocando disparidades financeiras e prioridades nacionais. Uma retirada que arrisca a enfraquecer as defesas do mundo contra novos surtos perigosos capazes de desencadear pandemias e que muitos cientistas temem que possa fazer retroceder os ganhos de décadas obtidos na luta contra doenças infeciosas como a SIDA, a malária e a tuberculose.
Trump provocou ainda turbulência ao dizer que quer comprar a Gronelândia e assumir o controle do Canal do Panamá, e amplificação preocupação com uma série de ordens executivas que visam reformular políticas dos Estados Unidos em áreas como imigração e questões sociais, revogando programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), baseados no mérito, e afetando práticas de emprego; e redefinindo políticas de género, que afetam políticas de financiamento e reconhecimento.
Os historiadores debaterão por muito tempo por que o segundo governo de Donald Trump foi tão mais extremista que o primeiro. Com o Congresso nas mãos, e apoiantes nos tribunais e nas Forças Armadas, Trump 2.0, se não for controlado, pode desencadear uma revolução que acabará com o Ocidente como um sistema de democracias liberais e economias abertas e colocar em risco o “Estado de Direito”.
Mais. É o primeiro presidente dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial a desafiar o papel global do país e a deitar por terra a Doutrina Truman de que ajudar a defender a democracia no exterior é vital para os interesses nacionais dos Estados Unidos.
Também a Ucrânia, tal como, talvez no futuro, a Gronelândia, é transformada em moeda de troca, fazendo tremer a segurança global ao sujeitá-la a interesses momentâneos.
Ainda em campanha, Trump declarou repetidas vezes que poderia pôr fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia “em um dia”, criticando biliões de dólares de ajuda militar americana enviados para a Ucrânia desde a invasão russa em 2022. Mas já no seu fato de Presidente dos EUA recebeu o seu homólogo ucraniano na Casa Branca. O momento foi emitido em direto por televisões de todo o mundo e ninguém ficou indiferente. O encontro assemelhou-se mais a uma batalha verbal do que a diplomacia, com Trump e o seu vice-presidente a atacarem o chefe de Estado convidado e no final a mandar porta fora a delegação do outro país. Uma tentativa de humilhação pelos representantes máximos de um país que, até então, era seu aliado.
Após a discussão entre Zelensky e Trump, a Ucrânia ainda fará nova tentativa de acordo sobre minerais estratégicos com os EUA, aos quais buscam preferência de acesso em troca da ajuda fornecida a Kiev contra a Rússia. As chamadas terras raras ucranianas entraram no centro do debate durante as negociações entre EUA, Rússia e Ucrânia, para o fim da guerra, transformando-se num instrumento geopolítico para impulsionar a produção nacional de minerais essenciais e terras raras, um setor essencial para o desenvolvimento tecnológico no qual a China detém um quase monopólio.
Trump revela uma mentalidade de comerciante e negoceia ameaçando parceiros com a nova política comercial da Casa Branca a espelhar isso mesmo, lançando o mundo numa escalada de guerra de tarifas e ondas de choque pela nova política comercial dos EUA. Uma nova era de protecionismo? A resposta remete sempre para a regra básica do comerciante: o valor do que Trump compra tem de ser menor do que o valor que os outros vendem, para ter lucro.
Tal como o seu plano de deslocar todos os palestinianos de Gaza para que os EUA possam construir uma “Riviera” de estâncias balneares – que deu origem a um vídeo gerado por IA com praia, dança do ventre e dinheiro a voar para mostrar o futuro que idealiza para a Faixa de Gaza -, os motivos do presidente parecem estar mais enraizados em obter o melhor retorno monetário potencial para os Estados Unidos do que na resolução de um conflito assassino que põe o mundo em perigo.
Contra esta tomada de poder imperial, as forças do liberalismo norte-americano e europeu devem mobilizar-se rapidamente. Ao contrário de Trump, sabem bem que a guerra das tarifas não beneficia ninguém e prejudica todos. E enquanto a nova ordem mundial ainda não tomou forma, as nações europeias assumem já também a responsabilidade pela sua própria defesa e pagar por ela uma vez que a Casa Branca de Trump disse já que não será mais o garante da segurança da Europa.
O magnata que regressou à Casa Branca não acredita em democracia. Autoritário e sem lei, apenas acredita em vencer a qualquer custo e no triunfo de sua vontade como demonstram o uso das tarifas ao estilo caprichoso e destrutivo com a incerteza e receios de recessão global a dominarem os mercados e a alarmar o mundo.
“Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã. Cheira a… vitória”. O contexto em que esta frase famosa emerge no filme “Apocalypse Now” confirma a indiferença com a morte que as palavras expressam e que bem se podiam aplicar a Trump ao ditar a morte da ordem internacional, e da globalização, marcada pela previsibilidade.
É um homem que quer ter um poder total, global, com ele sempre no topo, acreditando ser o único que pode ocupar tal posição. Está a conduzir os EUA para um regime autocrático, com o culto de um homem só, e o mundo para um lugar sombrio. Aguardam-se os próximos capítulos do ‘Trumpocalypse Now’.