O rastilho foi ateado ao paiol em Junho de 2015, quando Marcelo Odebrecht, um dos empresários mais poderosos do Brasil, foi detido na sua casa de São Paulo pela polícia que investigava o caso de mega corrupção centrado na petrolífera estatal brasileira Petrobras. O neto do fundador da Odebrecht comandava a maior empresa de construção, concessões de infra-estruturas e petroquímica do continente, empregando mais de 160.000 trabalhadores, operava em 28 países e estava cotada nas bolsas de São Paulo e Nova Iorque.

Marcelo, condenado a 19 anos de prisão, com o seu grupo à beira do colapso financeiro pela proibição da Odebrecht poder apresentar-se a concursos de obras públicas, verga finalmente, reconhece as acusações e aceita pagar aos EUA, Suíça e Brasil  a maior indemnização por corrupção da história (3.500 milhões de dólares), confessando a existência de uma unidade secreta, mas totalmente funcional, cuja missão era permitir o suborno de políticos e governantes em três continentes e 12 países a troco da adjudicação de mega obras de infra-estruturas.

Mais ainda, aquela que já é conhecida como a “confissão do fim do mundo”, entrega ao Departamento de Justiça dos EUA e aos Ministérios Públicos a lista dos montantes de subornos por países, em milhões de dólares – Angola: 50; Argentina: 35; Brasil: 349; Colômbia: 11; República Dominicana: 92; Equador: 35; Guatemala: 18; México: 10,5; Moçambique: 0,9; Panamá: 59; Peru: 29; Venezuela: 98 –, os nomes dos subornados, montantes e contas bancárias em convenientes offshores… fazendo lembrar aquela pen drive pela qual todos se matam nos filmes de James Bond!

Conseguem imaginar o impacto desta lista detalhada nas mãos dos Procuradores dos diferentes países? Desde países onde o tsunami está agora dolorosamente a varrer o chão com prisões de políticos ou governantes de primeira linha, como na Colômbia, Peru e Brasil, até aos outros países onde nada acontece, como Venezuela, Angola, Moçambique.

Como é possível que uma empresa tão sofisticada, regulada em diversos países, cotada em duas das principais praças bolsistas do mundo, sujeita às mais exigentes regulações, auditorias, modelos sofisticados de governança corporativa, tenha conseguido ao longo de tantos anos actuar impunemente como o maior vilão do faroeste? Como foi possível a Enron, a Lehamn Brothers, a Volkswagen, o BES, o BNP, o Banif, entre tantos outros?

Para que servem tantas Basileias, solvências, governança corporativa, reguladores, bancos centrais, superintendentes, auditores e, principalmente, legislações cada vez mais exigentes, complexas e intricadas se a realidade sistematicamente se tem encarregado de demonstrar o quão ineficientes são? Na verdade não estamos no bom caminho e todo o mundo se ilude. O ponto aqui é a ética. A ética do accionista, do gestor, do mercado, esse fluido conceito que nenhuma regulação ou supervisor conseguirão jamais controlar de forma substantiva – ou se tem ou não se tem!

O autor escreve segundo a antiga ortografia.