1. Vamos lá, então, perceber devagarinho.

Quando vendeu, perdão, entregou sem qualquer custo, 75% do Novo Banco ao Lone Star (o Fundo de Resolução ficou a tutelar os outros 25%), o Governo de António Costa acordou em 2017 com os chamados “compradores” um mecanismo de capital contingente que previa que durante oito anos (através do mesmo Fundo de Resolução) se compensassem eventuais perdas num conjunto de ativos do antigo BES até um máximo de 3.890 milhões de euros. Como se sabe, essa conta-corrente já fez passar 2.978 milhões de euros para o Novo Banco (NB). Assim distribuídos: logo em 2017, 792 milhões – 430 dos quais vieram de um empréstimo público; em 2018, 1.149 milhões – com 850 de um empréstimo do Tesouro.

Recentemente, dando origem ao pseudo desentendimento do primeiro-ministro com Mário Centeno, outros 1.037 milhões – e, de novo, com o Estado a garantir mais 850, face à incapacidade do chamado Fundo de Resolução, que vive das contribuições dos outros bancos do sistema, de reunir o capital necessário. Há-de pagar estes empréstimos durante 30 ou 40 anos, conforme puder, se puder, para fazer verdadeira a garantia inicial: este processo não custará nem um tostão dos nossos impostos. Pois.

Vou fazer uma pergunta: mas alguém estava à espera que, com ou sem coronavírus, os donos do NB não arranjassem um qualquer pretexto para esmifrar até ao tutano o compromisso/garantia assumido pelo Governo?

2. Pelos vistos, havia um português que não estava (à espera): o Presidente da República. Ficou, disse ele, “estupefacto”. As caras de outros responsáveis variaram também entre o estilo boca de charroco e a pose da rameira ofendida com o arrojo do ávido cliente. Ninguém esperava. Ninguém fazia a mais pequena ideia de que o Novo Banco iria aproveitar até ao limite a garantia dada pelo Estado português. É certo que tinha até 2026 para o fazer, e que a polémica anterior estava ainda tão presente que um pouco de escrúpulo deveria ter evitado as recentes declarações de António Ramalho, presidente-executivo do NB, a criar ainda mais dificuldade ao governo. Deveria, sim.

Voltemos, agora, à vida real, ao mundo que existe para além das encenações políticas servidas à populaça à hora dos telejornais. Cá fora, cada um defende os seus interesses. O Lone Star, patrão de António Ramalho, pretende despachar-se para realizar as mais-valias. O mais tardar em 2022, terminada a reestruturação, já quer estar a negociar a venda deste “ativo” e partir para outra, porque ao contrário do Estado português os fundos de investimento existem para serem rentáveis e remunerarem acionistas. Portanto, e como vem aí o dinheiro da celebrada ‘bazuca’ da união europeia (26.361 milhões de euros, 15.526 dos quais a fundo perdido), os acionistas maioritários do NB trocam as boas maneiras pelo aviso antecipado e de forma bruta: sim, vão precisar de mais dinheiro em 2021. Em linguagem de salão, diz-se, como disse António Ramalho, que o NB vai ter “necessidades de capital ligeiramente suplementares” às que estavam estimadas.

Mais cêntimo menos cêntimo, e isso já sou eu a dizer, vão querer zerar as garantias. Venham outros 900 milhões e não se fala mais nisso.

3. Este processo está claro desde o início. O Lone Star, como o BIC na caso do BPN, fez um favor ao Governo. Paga a recuperação do NB com o ‘pelo do cão’ e, em contrapartida, António Costa e Mário Centeno foram, ao longo destes anos, podendo gerir o défice público de forma a contentar os compromissos europeus. A nacionalização custaria entre 4.000 e 4.500 milhões de euros de uma só vez. A garantia foi mais ou menos idêntica mas permitiu pagar às pinguinhas. Grossas pinguinhas, é certo. Mas também já só falta o último esforço. Vá lá, é só virar a cara para o lado e fazer como no caso da futura nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal: ninguém sabia, ninguém viu, o homem merece, até se demitiu antes da aprovação do futuro período de nojo, “onde é que está a ilegalidade?” Vamos lá, não custa nada. Quanto mais depressa fecharmos estes dossiês, mais depressa poderemos avançar para outros. Haverá sempre mais. Disso podemos ter todos a certeza.