Estava a ouvir o curso de escrita de banda desenhada de Alan Moore, na BBC, um autor que é considerado um dos argumentistas mais extraordinários e geniais da banda desenhada e, a dada altura, ele diz algo como “se queres escrever, transforma a tua escrita em algo que gostes e te dê prazer”.
Depois de tantos anos de leitura e escrita em formatos diferentes, uma frase tão simples como esta faz-nos ver que não temos de limitar a nossa escrita a estilos convencionais. Não temos de escrever apenas aquilo que se espera de nós, mas podemos tentar escrever o que realmente enche o nosso coração e mente, ao mesmo tempo que as regras são subvertidas. Ele faz com que isto soe mais fácil do que é, mas a verdade é que temos uma tendência espetacular para complicar tudo.
Como Alan Moore explica, os bardos exerceram a sua magia em tempos antigos através do poder criativo da palavra. Teciam encantamentos com os seus versos e podiam mudar vidas: criar heróis através de epopeias ou destruí-los em sátiras. Onde estaria hoje a humanidade sem a dádiva da escrita?
Mas nem tudo é um mar de tranquilidade na escrita. Há ondas encrespadas que se despedaçam contra promontórios e há também o perigo de cairmos e de nos afogarmos no mar revolto e caótico da informação e excesso de oferta.
Tive de ouvir Alan Moore para me lembrar de como gosto realmente da escrita e de como sempre cometo o erro de empurrar essa atividade – esse ato de magia – para o fundo das minhas prioridades, em parte movida por autodepreciação e auto-estima baixa. Mas depois lembro-me do prazer que me dava, quando era editora, escrever textos criativos e as sinopses dos livros, tentando dar-lhes um toque apelativo que levasse as pessoas a ler aquelas histórias.
Poucos compreendem o prazer de nos desligarmos do tempo, de nos fecharmos no nosso mundo enquanto damos corpo a novas visões, enredos e personagens, que nascem das nossas boas e más experiências, com cicatrizes por todo o lado. Tudo na nossa vida e na dos outros é matéria literária, se observarmos o mundo com atenção.
Claro que nem todos podemos ser magos como Alan Moore, mas muitos de nós sentem essa magia a pulsar nas nossas vidas e há quem passe muito tempo a tentar alcançá-la ou a fugir dela.
O que eu fiz com esta crónica foi transformá-la em algo que me desse prazer. Não quis escrever sobre política, sociedade ou guerras, temas sobre os quais tenho escrito regularmente. Desta vez, quis simplesmente recordar que ainda há algo nesta vida que faz vibrar uma batida de coração.