A última semana foi rica em polémicas.
Mais uma vez Neto de Moura foi protagonista de uma decisão incompreensível. Não pelo retirar da pulseira electrónica, onde, por estranho que pareça, se limitou a cumprir a lei, mas pela redução de pena. Sendo a pulseira electrónica o que na realidade protegia de alguma forma a vítima, o tribunal de primeira instância não obteve o acordo do agressor para tal nem fundamentou devidamente a decisão.
Não deixa de ser caricato ser necessário o acordo do agressor, porém, como defende Carlos Pinto de Abreu, penalista, como o agressor tem de garantir que a bateria da pulseira é carregada, faz todo o sentido ter a sua concordância. Estranho é que com tanta tecnologia disponível nos dias de hoje, a vida de alguém dependa da vontade do agressor em trocar de pilha!
Mas se Neto de Moura, por ridículo que seja, tem a lei do lado dele, deveria actuar proactivamente para que a lei seja alterada. Ou vão continuar a decidir mal porque estão a agir de acordo com a lei? Já no que toca à redução de pena, também decidida por Neto de Moura, e sendo tal, na verdade, irrelevante para a vítima, é um sinal contrário ao que a justiça deve dar, ao agressor.
Dúvidas houvesse, ficou muito claro o espaço de trabalho que a justiça portuguesa tem por fazer na sua própria casa. Se eu não me canso de dizer que enquanto a justiça não funcionar em Portugal, nada funcionará, não tinha, até Neto de Moura, consciência da dimensão do afastamento que existe entre a justiça e a realidade.
As leis estão mal feitas e quem as produz são os deputados? Então o sistema judicial e o parlamento têm de interagir para melhorar (drasticamente) a legislação vigente nos vários domínios. A “separação de poderes” não se pode traduzir na inoperância do sistema. Pretende apenas inviabilizar abusos de poder.
Cereja no topo do bolo, a incapacidade de, no próprio sistema judicial, ser feita justiça – única explicação para o “castigo” aplicado ao Juiz na sequência do acórdão de 2017, em que invocava a Bíblia e as sociedades em que as mulheres adúlteras eram apedrejadas para desculpabilizar o agressor.
Em vez de um “castigo” à altura da barbaridade do seu acórdão, é-lhe aplicada uma “advertência”. Soa assim a um “ai, ai, ai” de dedo espetado que uma mãe ou um pai dizem ao filho quando lhe querem chamar a atenção para algo pouco importante, mas que ainda assim não querem deixar passar em branco. E mesmo a advertência só deve ter acontecido pela polémica gerada porque, se assim não fosse, tudo estaria bem no mundo dos magistrados. Por que razão me cheira a corporativismo…?
O acórdão foi inclusive assinado por outra magistrada que diz tê-lo lido na diagonal. Na diagonal? Um acórdão? Pode ler-se o jornal na diagonal, pode ler-se uma revista na diagonal, até um livro pode ser lido na diagonal… mas no desempenho das suas funções, com impacto directo na vida das pessoas, lê um acórdão (de violência doméstica) na diagonal?
Se a justiça portuguesa já era percepcionada como lenta e cara, tornou-se evidente que também pode ser pouco justa. Não se vêem resultados efectivos, muito menos rápidos, em casos como o BES, BPN, José Sócrates, entre tantos outros. E esta falta de justiça torna-se particularmente chocante e nauseabunda quando falamos de crimes de pedofilia e violência doméstica.
Uma justiça célere e rigorosa será a única forma de dissuadir estes agressores. E, em minha opinião, sem direito a penas suspensas.
Num ano em que, decorridos dois meses, já morreram 11 mulheres por violência doméstica, a adicionar às 40 mortas em 2018 de um total de 88 homicídios, parece óbvia a falta de atenção e de trabalho que tem sido feito neste campo. Até aqui tudo não tem passado de “maquilhagem”!
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.