Escreveu quem muito sabia que “tudo o que chega, chega por alguma razão”.

Entrou recentemente em vigor o Aviso nº 3/2020 do Banco de Portugal, que regulamenta os sistemas de governo e controlo interno e define os padrões mínimos em que deve assentar a cultura organizacional das entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

Se a obsolescência da anterior regulamentação, sobretudo em função das orientações e melhores práticas supranacionais entretanto publicadas, pode ser tida por causa direta da nova regulamentação, não subsistem grandes dúvidas que a experiência acumulada da supervisão em matérias relacionadas com conduta, cultura, sistema de governo ou fragilidade de organização interna, explica algumas das soluções do novo normativo e, em particular, a minúcia com que algumas das matérias aí são tratadas.

Esta regulamentação considera matérias como (i) conduta e cultura organizacional, (ii) governo interno, estrutura organizacional e planeamento estratégico (iii) sistema de controlo interno e gestão de riscos, (iv) partes relacionadas e conflitos de interesses, (v) participação de irregularidades, (vi) subcontratação das tarefas operacionais das funções de controlo interno e do sistema informático de suporte à participação de irregularidades, (vii) políticas de seleção e designação de auditores externos, (viii) políticas e práticas remuneratórias, (ix) grupos financeiros, (x) autoavaliação a realizar pelas entidades supervisionadas, e (xi) documentação, sistematização de informação e divulgação de informação ao público.

Mais do que clarificar as responsabilidades do órgão de administração, da direção de topo e das funções de controlo em matéria de conduta e cultura organizacional, o diploma procede à densificação de velhos princípios, tendo em vista o favorecimento da transversalidade da cultura organizacional sobre a exemplaridade da formalidade dos processos.

Matérias como o dever de segredo, a proibição de uso ilegítimo de informação privilegiada, prevenção de conflitos de interesses e negócios com partes relacionadas, não são inovadoras na atividade bancária. De igual modo, em termos substantivos, pouca originalidade se antecipa nos processos de identificação, monitorização e controlo de liberalidades, ofertas e benefícios de setores mais maduros e com atividade internacional como é a norma no setor financeiro. Estas matérias são necessariamente consideradas pelo código de conduta e pelos normativos internos ao mesmo associados e – por isso – agora sujeitas aos requisitos definidos pelo novo aviso.

Ora, mais do que prever a aprovação do código de conduta (e das políticas e normativos internos que o desenvolvem e concretizam) pelo órgão de administração, o referido aviso estabelece com considerável minúcia o respetivo processo, conteúdo, responsabilidades e – inclusivamente – abordagem (determinando a necessidade de definição dos comportamentos aceitáveis e não aceitáveis). Mesmo para temáticas mais ou menos imperecíveis como as indicadas, o célebre tone from the top, passa – assim – de mantra de gestão a requisito legal e regulamentar.

É aqui que reside o paradoxo desta abordagem: pretende-se garantir velhos princípios e boas práticas reforçando processo e responsabilidades quando, nos últimos anos e em Portugal, não foi invulgar encontrarmos situações em que processos formalmente irrepreensíveis coexistiam com práticas censuráveis.

Voltando ao início, é impossível não compreender a razão do que chega; contudo, não é por extravagância que se mantém preferência, em matérias de conduta e integridade, por uma abordagem programática, assente em princípios e, complementarmente, em atuação previsível e consistente da supervisão. Seja porque a realidade excede sempre as fronteiras da previsão, seja porque as verdades perenes resultam favorecidas pela constância da mensagem.